Entre a memória de sua família e os rastros emocionais de um isolamento coletivo, o protagonista se vê forçado a encarar aquilo que mais evita: a própria solidão. Amaral constrói esse embate de forma delicada, tensionando o presente e o passado, o íntimo e o social, o vivido e o imaginado. A cidade natal se torna palco de fantasmas – pessoais e históricos –, funcionando como metáfora para o confronto entre lembrança e esquecimento.
O autor aposta em um romance de introspecção, que tem menos pressa em “acontecer” do que em revelar as camadas de uma subjetividade. O cinismo de Nicolas, suas dúvidas e sua desesperança são temperados por uma voz narrativa que se equilibra entre a crueza e a ternura, com um toque de ironia. Nesse sentido, Mesa para dois se aproxima da tradição dos romances de formação tardia, ou seja, histórias de adultos que, em meio ao colapso de certezas, descobrem que crescer não é apenas uma questão de idade, mas de encarar aquilo que se arrasta não resolvido.
As relações familiares, tema central do livro, aparecem como pequenas tragédias cotidianas que moldam identidades. As ausências, dos mortos, dos afetos que se perderam, das possibilidades não vividas, são tão presentes quanto os vínculos que resistem. Tudo isso embalado por uma trilha sonora que confere ritmo e afetividade ao texto, funcionando quase como um segundo narrador.
Mais do que um romance sobre pandemia ou solidão, Mesa para dois é uma investigação existencial. Amaral parece perguntar: como seguir adiante quando a esperança se fragmenta? A resposta, ainda que parcial, porque a vida é feita muito mais de perguntas do que de respostas, está na coragem de Nicolas em sentar-se à mesa consigo mesmo, reconhecendo no silêncio uma possibilidade de recomeço. Com sensibilidade e precisão, Denis Amaral oferece ao leitor não apenas a história de um homem, mas um espelho das incertezas de toda uma geração.
Mesa para dois, de Denis Amaral
Editora: Labrador
Vanessa Passos é escritora, roteirista, professora de escrita criativa, doutora em Literatura (UFC) e pós-doutora em Escrita Criativa (PUCRS), sob orientação de Luiz Antonio de Assis Brasil. É idealizadora do Programa 321escreva, do Método Mais Vendidos e do Encontro Nacional de Escritoras. Lidera uma comunidade de escritoras que tem voz em mais de 9 países, orientando centenas de escritoras a escrever, publicar e divulgar seus livros. Autora do volume de contos A mulher mais amada do mundo (2020). Seu romance de estreia A filha primitiva foi vencedor do Prêmio Kindle de Literatura (2021), do Prêmio Jacarandá (2022), do Prêmio Mozart Pereira Soares de Literatura (2023) e vai ser adaptado para o cinema pela Modo Operante Produções, agora publicado pela José Olympio. É colunista do Jornal O POVO e do PublishNews. Nas redes sociais, a escritora pode ser encontrada no perfil: @vanessapassos.voz.