Publicidade
'Batida só': emoção, fé e corpo
PublishNews, Vanessa Passos, 11/08/2025
Novo romance de Giovana Madalosso é sobre parar (tão difícil hoje no mundo em que vivemos) e, mesmo assim, continuar

Giovana Madalosso, autora de 'Batida só' (Todavia) | © Arquivo pessoal
Giovana Madalosso, autora de 'Batida só' (Todavia) | © Arquivo pessoal
Batida só (Todavia), terceiro romance de Giovana Madalosso, entrega personagens que cativam o leitor. A trama parte de um corpo em colapso para chegar às perguntas que evitamos em silêncio: o que é, afinal, inegociável na vida? Como seguir quando as emoções que nos definem também podem nos matar?

A protagonista, uma jornalista que vive a velocidade e o ruído das grandes cidades, sofre um ataque na rua que desvela algo maior do que o susto, o seu coração carrega uma arritmia grave e imprevisível. A partir desse evento, inicia-se uma jornada não apenas clínica, mas profundamente existencial. A recomendação médica é clara: evitar emoções fortes. Mas quem vive impassível sem também se ausentar de si?

Essa é a tensão visceral que move o romance e que a autora desenvolve com engenhosidade tanto na trama quanto no uso da linguagem (há de se destacar o uso das vírgulas para marcar as batidas do coração da personagem). Em busca de paz, ela se refugia na casa dos avós, na pequena Moenda, sua cidade natal. Entre antidepressivos e tentativas de silenciar o corpo e a alma, ela é surpreendida por Nico, um garoto que entra na casa com um oratório e muda o compasso da narrativa. É filho de Sara, sua amiga de infância, agora mãe solo, religiosa, dona de autoescola e repleta de fé em todas as direções.

A protagonista e Sara parecem construídas em oposição, uma não acredita em nada além da ciência, a outra enxerga sinais em tudo. Mas a vida, que raramente respeita polarizações, costura as duas de volta em uma relação tão incômoda quanto necessária. As discussões entre fé e ceticismo, cuidado e desamparo, o desejo de controle e a imprevisibilidade da existência tornam Batida só um livro que provoca e que acolhe sem simplificar a vida e a condição humana.

Madalosso tem uma habilidade ímpar de tensionar temas espinhosos com afeto e ironia. A escrita é afiada, mas também sensível. As relações entre os personagens nunca caem no maniqueísmo, elas se constroem na ambiguidade, no desconforto, na ternura que nasce da convivência real, imperfeita e cotidiana.

A viagem que os três personagens fazem em busca da cura não é um clímax convencional, mas uma travessia emocional. Cada um leva no corpo uma urgência: a protagonista, o coração em risco; Nico, uma doença difícil; Sara, a fé como salvação. E, no meio disso tudo, o que emerge é a possibilidade de encontrar outro ritmo para viver, aquele que acolhe o sentimento, mesmo quando ele assusta.

Batida só é um romance sobre parar (tão difícil hoje no mundo em que vivemos) e, mesmo assim, continuar. Sobre a impossibilidade de viver anestesiado. Sobre como as conexões humanas nos curam, não apesar das diferenças, mas justamente por causa delas. Um livro que mostra que, quando tudo precisa ser evitado, talvez o que mais salve seja, justamente, o que não se pode controlar: amar, rir, chorar, acreditar. E seguir, mesmo com o peito batendo fora de compasso.

Giovana Madalosso confirma aqui o que já sabíamos: é uma autora magistral. Seus livros, para escritores, são uma aula de criação de personagens, e para leitores, uma experiência profunda sobre a condição humana. A sua obra é um legado para a literatura brasileira contemporânea.

Vanessa Passos é escritora, roteirista, professora de escrita criativa, doutora em Literatura (UFC) e pós-doutora em Escrita Criativa (PUCRS), sob orientação de Luiz Antonio de Assis Brasil. É idealizadora do Programa 321escreva, do Método Mais Vendidos e do Encontro Nacional de Escritoras. Lidera uma comunidade de escritoras que tem voz em mais de 9 países, orientando centenas de escritoras a escrever, publicar e divulgar seus livros. Autora do volume de contos A mulher mais amada do mundo (2020). Seu romance de estreia A filha primitiva foi vencedor do Prêmio Kindle de Literatura (2021), do Prêmio Jacarandá (2022), do Prêmio Mozart Pereira Soares de Literatura (2023) e vai ser adaptado para o cinema pela Modo Operante Produções, agora publicado pela José Olympio. É colunista do Jornal O POVO e do PublishNews. Nas redes sociais, a escritora pode ser encontrada no perfil: @vanessapassos.voz.

[11/08/2025 11:17:49]
Leia também
Ao reunir histórias que se equilibram entre o íntimo e o universal em 'De repente nenhum som', Bruno Inácio reafirma que, às vezes, o que não se diz tem mais peso do que qualquer frase inteira
Em novo romance independente, Marília Lovatel articula destinos com um olhar poético que evita o sentimentalismo e se detém na potência do detalhe
Livro se aproxima da tradição dos romances de formação tardia, ou seja, histórias de adultos que, em meio ao colapso de certezas, descobrem que crescer não é apenas uma questão de idade
'Eu, inútil' é um livro que olha de frente para o impacto psicológico da maternidade narcisista, mas sem reduzir sua personagem à dor
Em 'Engravidei' (Caravana Grupo Editorial)​, Andrea Nunes se lança num mergulho íntimo e corajoso
Outras colunas
Ao reunir histórias que se equilibram entre o íntimo e o universal em 'De repente nenhum som', Bruno Inácio reafirma que, às vezes, o que não se diz tem mais peso do que qualquer frase inteira
Fernando Tavares destrincha tendências de inteligência artificial e separa possíveis aprendizados para o mercado editorial brasileiro
Essa semana, a Área Indie apresenta quatro novidades do universo da literatura infantojuvenil da Ases da Literatura
É um livro para quem já amou à distância, para quem reconhece a beleza dos encontros breves e entende que o amor verdadeiro não prende, apenas acolhe
​ Leticya Pires apresenta em 'Você gosta de ganhar presente?' uma história que desperta a curiosidade e o encantamento sobre o significado dos presentes