
Em Antes do início, Mané narra sua jornada pessoal em busca de suas raízes na Guiné-Bissau. A obra mescla diário de viagem e ensaio autobiográfico, enquanto narra a própria experiência ao visitar pela primeira vez a terra de seu pai em 2010. Nascido no Brasil, de mãe paraibana e pai guineense, Mané sempre teve uma inquietação profunda: conhecer o outro lado da kalunga — termo que designa a travessia atlântica que tantos africanos fizeram ao longo dos séculos.
Seu pai, da geração responsável pela independência da Guiné-Bissau, imigra para o Brasil nos anos 1970 graças a uma bolsa de estudos do Itamaraty, em busca de uma formação acadêmica internacional de alto nível. Em São Paulo, acaba sendo repelido pelo racismo nas salas de aula e corredores da universidade, e abandona o jovem Ernesto e a família. Constitui uma nova família em Cabo Verde, e novamente a abandona.
Seria um “sacana”, como dizem alguns, ou apenas alguém que tentava salvar a própria pele em meio à barbárie das guerras coloniais portuguesas? O que têm a dizer os amigos e parentes que ficaram na Guiné-Bissau sobre este homem que parece ter abandonado a todos, mas que é lembrado e mencionado no tempo presente, como se sempre estivesse ali?
Para Mané, conhecer a realidade da Guiné e da família que vive ali traz desalento e dor, frustra expectativas, amplia os questionamentos e o faz revisitar memórias de infância. A paternidade e o divórcio recente o fazem olhar de outra maneira para o pai e para os enredos familiares. As contradições e possibilidades da Guiné chamam a atenção do jovem cientista. Parece-lhe evidente o potencial cultural e político do crioulo, idioma que é falado por toda a população, mas que seu pai não lhe ensinou e não é sequer adotado como uma das línguas oficiais do país.
Entre as muitas decisões que Mané — sobrenome de origem balanta, uma das etnias que compõem a população da Guiné-Bissau — toma a partir da viagem está o pedido de um passaporte da Guiné-Bissau para ter dupla cidadania. Se a história e a política, conforme atestam as páginas de Antes do início, contribuíram para acentuar a distância entre África e Brasil, Mané nos mostra de forma notável que a literatura é uma linguagem privilegiada para nos trazer notícias do outro lado da kalunga.