Negociados os direitos, era preciso encontrar um tradutor. Conversei com amigos editores, que garantiram: É impossível. Conversei com outros tradutores, que me desanimaram, afirmando inexistirem tradutores do letão no Brasil. A embaixada sequer me respondeu. Mas, claro, era questão de procurar. Através das redes sociais da década passada, encontrei um primeiro grupo de língua e cultura letã. Escrevi para os administradores, e eles me colocaram em outros. Me vi inserido na comunidade, torcendo pelo gatinho Flow, reclamando pela falta de um chocolate com a forma do personagem, trocando fotos de Riga e escutando depoimentos de quem no Brasil era sempre o último a ser escolhido no futebol, mas na Letônia virou atacante.
Como pude perceber, o objetivo principal dos que estão no grupo é a cidadania letã, que se torna o famoso passaporte vermelho da União Europeia, sonho de muitos brasileiros. Discute-se o idioma, trocam-se dicas de gramática, mas também se trabalha a preservação da cultura. Em um sábado à noite, havia 50 descendentes no Zoom falando sobre pratos típicos. Há quem aproveite para fazer propaganda de pratos, vender café, oferecer livros de receitas e cursos do idioma.
Como não poderia deixar de ser, uma polêmica estourou. Um membro do grupo comentou que estava em Brasília, e que por lá havia um grupo de cultura letã. Outro respondeu: “Brasília, tá trabalhando para o cabeça de ovo?”. Retrucaram: “E os gastos no cartão corporativo da primeira-dama?”. Logo o administrador interferiu, explicando que existiam outros grupos para política e que o espaço não era ali. Algumas mensagens deletadas depois, o grupo voltou a ser o território tranquilo do gatinho vencedor do Oscar.
Esta pequena jornada me lembrou de um dos motivos da literatura. Quinhentos anos atrás, na Europa, faziam grande sucesso os livros que narravam as aventuras dos navegadores nos muitos Brasis que se descobriam. Na minha não tão distante adolescência, conheci a Paris pela qual a Maga escapava de Cortázar e a Havana de Pedro Juan Gutiérrez sem jamais ter saído do Brasil. Assim, nos últimos meses, vivi intensamente a Letônia, e ainda a viverei muito mais, com a sua literatura, sem jamais ter pisado em seu território.
Leonardo Garzaro é escritor, editor e jornalista. Paulista, nascido em 1983, fundou diferentes editoras independentes e editou dezenas de livros. Seu primeiro romance, o infantojuvenil O sorriso do leão, teve os direitos vendidos para editoras de seis países, com traduções para o inglês, espanhol, turco e árabe. Alguns de seus contos foram publicados na premiada revista norte-americana Literal Latin Voices. A revista literária Latin America Literature Today, LALT, elegeu seu conto The Fanatic's Story como um dos dez melhores de 2023.
É consultor de literatura brasileira das editoras Monogramático, da Argentina; Textofilia Ediciones, do México; Corredor Sur, do Equador; e da agência turca Introtema. O guardião de nomes, seu último romance, foi publicado em quatro países e indicado para o prêmio Jabuti de Literatura.