A Holanda, claro, é um país diminuto comparado ao Brasil, com apenas 17 milhões de habitantes. É um mercado editorial pequeno e muito bem estruturado. Mas os próprios holandeses acham os preços dos livros nacionais caros. Vamos aos motivos e soluções propostas pelo governo para sanar o assunto:
Na Holanda, os livros em inglês são muito mais baratos que em holandês. Para o país em que mais de 95% da população fala inglês fluentemente, a taxa mais alta da Europa (exceto Reino Unido, claro), isso gera um problema para o mercado editorial, tanto em traduções quanto autores nacionais. É cada vez mais comum um leitor holandês ler um autor holandês em inglês. Esse é um problema que passa não só pelo preço do livro em inglês, mas pelo declínio da língua holandesa na Holanda como um todo, algo muito grave, sério e complexo, que não entrarei em detalhes aqui.
Uma das saídas encontradas pelo governo e o mercado editorial para valorizar a literatura escrita em holandês foi a criação da Semana do Livro. Dentro do evento é lançado um livro, chamado de Presente da Semana do Livro.
Existente desde 1930, todos os anos escolhe-se um livro a ser dado de graça nas livrarias ao se gastar uma quantidade X de dinheiro em livros. Nas primeiras décadas de existência era feito um concurso de originais e quem ganhasse teria seu livro publicado no evento. Hoje, basicamente, a pessoa é escolhida via panelinha e lobby editorial.
É proposto um tema e a pessoa escolhida escreve um livro de ficção sobre aquele tema. A partir dos anos 1960, autores belgas de língua holandesa também começaram a se escolhidos. No final dos anos 1980, além de ficção, incorporaram também um livro de não-ficção. Então, até hoje, são dois livros de presente por ano. Todos os livros têm o mesmo formato de bolso em capa dura e obrigatoriamente têm que ter cerca de 100 páginas, então o gênero preferido geralmente é a novela.
A partir dos anos 2000 os livros da Semana do Livro passaram a ter um QR code interno. Eles podem ser usados em catracas como um bilhete de trem. A partir de então, começaram a incentivar a leitura nos trens.
O lançamento da Semana do Livro é uma festa enorme e super badalada, mais ou menos semelhante à nossa Flip no auge. Os jornais da grande imprensa alardeiam os escolhidos para escreverem os livros do próximo ano e divulgam o tema. Ter um livro como Presente da Semana do Livro significa que ele vai sair com uma tiragem altíssima, ter muita repercussão midiática, e, a partir de 2018, ser obrigatoriamente traduzido ao Frísio, um dialeto da região da Frísia.
Muitos livros maravilhosos e clássicos foram publicados nesse programa, eu mesmo traduzi dois (O amigo perdido, de Hella Hassse, e Este post precisou ser removido, de Hanna Bervoets, ambos publicados pela Rua do Sabão). Eu diria que todos os grandes autores holandeses, dos anos 1930 até hoje, tiveram ao menos um livro como Presente da Semana do Livro. A lista dos livros publicados no programa me serve de parâmetro do que oferecer aos editores brasileiros, inclusive.
A ideia de ganhar um livro e andar de graça nos trens é bem bacana. Acredito que seria algo inviável no Brasil. Mas acho que saber que isso existe é um ponto de partida para pensarmos em algo semelhante.
* Daniel Dago traduziu mais de 20 livros do holandês, dos quais 11 já foram publicados por diversas editoras. É mestrando em Teoria Literária pela UNICAMP e ministra o curso Panorama da Literatura Holandesa na USP.