Biblioteca pública e digital de São Paulo, BibliON completa um ano de atividades com números acima das expectativas
PublishNews, Guilherme Sobota, 22/06/2023
Em entrevista ao PublishNews, o diretor executivo da SP Leituras, Pierre André Ruprecht, faz um balanço do primeiro ano de funcionamento e projeta um crescimento exponencial para a plataforma

Pierre André Ruprecht, da SP Leituras | © Ricardo Matsukawa / SP Leituras
Pierre André Ruprecht, da SP Leituras | © Ricardo Matsukawa / SP Leituras
A biblioteca pública digital do estado de São Paulo – a BibliON – celebra neste mês de junho um ano de operações com números que excedem as expectativas iniciais da empreitada: são 171 mil cadastros e mais de 333 mil empréstimos, 17 mil livros no catálogo e horas e horas de atividades pertinentes a uma biblioteca, como clubes de leitura, bate-papos com escritores, capacitações e oficinas.

A biblioteca nasceu de uma iniciativa da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, que lançou em 2020 um projeto piloto como forma de oferecer conteúdo cultural para uma população que enfrentava a necessidade de isolamento social. Até o momento, já foram investidos mais de R$ 10 milhões na BibliON, sendo que 17% do valor foi direcionado para direitos autorais (mais de R$ 1,7 milhão). Até 2025, a biblioteca é gerida pela SP Leituras, organização social sem fins lucrativos, que também faz a gestão da Biblioteca de São Paulo (BSP) e da Biblioteca Parque Villa-Lobos (BVL), e é parceira do estado no Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de São Paulo (SisEB).

Para o diretor executivo da SP Leituras, Pierre André Ruprecht, um dos pontos fundamentais do trabalho é justamente a integração com o Sistema e a proximidade com as bibliotecas físicas. Em entrevista ao PublishNews, Ruprecht fez um balanço do primeiro ano de funcionamento da BibliON, e projeta um crescimento exponencial para a plataforma – o que também cria uma questão de financiamento que deve fazer parte da discussão sobre o projeto nos próximos anos.

PublishNews – Qual é o balanço que vocês fazem deste primeiro ano de atividades da BibliON?

Pierre André Ruprecht – Nós aprendemos muitas coisas. Na origem do projeto, existia uma enorme preocupação de não ser apenas mais uma prateleira. As bibliotecas contemporâneas são muito mais do que simplesmente dar acesso a livros. Isso é fundamental, mas existe um programa ligado à questão da leitura, em um senso muito amplo. Estou falando de bibliotecas públicas, responsáveis pela formação continuada das pessoas, e por vários letramentos. Entre os quais, o literário, da palavra, o oral, mas também letramento digital, informacional, midiático. Tudo isso está na pauta. Os números que atingimos formam um volume de leituras muito grande. Potencial enorme, estamos tocando ainda nesse potencial, mas o potencial é gigantesco.

Observando mais detidamente, notamos algumas coisas interessantes. Há uma curadoria, um trabalho vinculado aos objetivos da biblioteca pública, e observamos um perfil de leitura diferente daquele nas listas dos mais vendidos, por exemplo. Claro que temos best-sellers, mas para se ter uma ideia, entre os cinco livros mais lidos, três são de autoras brasileiras contemporâneas. Isso é surpreendente de maneira positiva. Sempre tivemos uma preocupação em conversar com a biblioteca física, estamos falando de um ecossistema de leitura, em uma série de instituições e ações. Tem que ser “figital” (físico + digital). Temos uma interação com um público formado por equipes de bibliotecas. Queremos incluir as bibliotecas públicas na discussão de acervo.

E o público leitor?

Notamos duas coisas. Um público leitor que terá sua vida de leitor ampliada, e outro formado por novos leitores, que não participavam da vida das bibliotecas públicas, mas que querem estar no circuito da leitura no meio digital. Temos uma programação direta para o público, mas também para apoiar as ações das bibliotecas físicas. Fizemos um programa de clube de leitura, podcasts. A gente sente ainda muito potência no sentido de ampliar o acesso para camadas mais vulneráveis da população. Onde o acesso é uma questão extremamente importante. Aí é um pouco uma guerrilha,

Qual foi o foco inicial da construção do acervo da BibliON? Parece bastante focado em literatura.

A gente começa as bibliotecas um pouco a partir daí. A ideia é que a comunidade tenha cada vez mais interferência no desenvolvimento do acervo. O ponto de partida do acervo da BibliON foi bastante literário. Muita literatura, nos seus vários gêneros, também muita preocupação com a bibliodiversidade. Temos ainda alguns limites para romper, como buscar produções que não estão no mainstream (pequenos editores, por exemplo). Temos também humanidades, num nível básico de difusão. O rumo (do acervo) vai também em função dos interesses temáticos que vão se apresentando. Uma parte do acervo já é hoje incluída com base nas indicações, e a partir de uma curadoria colaborativa com o SisEB.

Há algum tipo de produção editorial própria?

Há, mas é pequena, normalmente em trabalhos voltados para o campo da biblioteca e mediação da leitura, mas também podcasts, audiolivros, etc. Obras em domínio público temos normalmente por meio de editoras. Temos muita preocupação que a cadeia do livro esteja contemplada. Não há livros sem a questão dos diretos estar resolvida legalmente.

Como funciona essa negociação e a remuneração ao mercado editorial?

Aqui no Brasil essa discussão ficou encalacrada por muito tempo. Não havia um modelo de negócio adequado para bibliotecas públicas digitais, mas começamos a estudar formar uma biblioteca pública digital ainda em 2012. Esbarramos sempre nisso (a ausência de um modelo de negócio). Uma biblioteca digital tem duas questões: a primeira é o "prédio", ou seja, os serviços que ela oferece, outra coisa são os livros. É preciso as duas coisas: uma plataforma, uma base para estabelecer a relação da biblioteca com o público, e por outro lado, acesso aos conteúdos. A questão dos direitos, basicamente o que usamos são algumas das modalidades de negociação mundo afora, que podem envolver pagamento por uso, por check-out, por perpetuidade (que prevê apenas um uso simultâneo e controlado). Dependemos de como os distribuidores de conteúdo negociam, mas o mercado já conhece a questão. Outra coisa é que antes era um modelo fechado. A negociação se dava ou se dá por um número definido de associados ou de conteúdos, em que paga-se uma taxa para ter acesso. Mas a BibliON é uma biblioteca pública, aberta. O que continua em discussão é justamente como abrir. Optamos por não limitar, fazer o mais aberto possível, tentando trazer um pouco a experiência do digital, o que é a experiência das pessoas. Mas para responder, negociamos com agregadores de conteúdo digital, editoras, distribuidoras.

Como se dá a relação com as outras bibliotecas?

É um grande diferencial da BibliON para outras bibliotecas digitais que estão no cenário: a ideia de que estamos num ecossistema de leitura. Temos que conversar com mediadores de leitura. Como estamos numa relação com o governo, o conhecimento que é gerado é disponibilizado para o SisEB.

Quais são os planos para o futuro?

A SP Leituras começou o contrato atual em 2021, temos cinco anos, até 2025. A previsão que fizemos para o segundo ano de operação da BibliON é a de dobrar o número de empréstimos em relação ao primeiro ano. A razão de crescimento é muito acelerada nos cinco, seis primeiros anos. O que também vai fazer aparecer uma questão de funding (financiamento), é um desafio que temos pela frente.

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BibliON em números

  • 171 mil cadastros
  • 333 mil empréstimos
  • 17 mil títulos
  • 9 usuários com mais de 1000 horas de leitura

Os 5 livros mais emprestados da BibliON:

  1. Eu e esse meu coração, de C. C. Hunter, com mais de 3200 empréstimos
  2. O peso do pássaro morto, de Aline Bei, com mais de 2800 empréstimos
  3. O amor não é óbvio, de Elayne Baeta, com mais de 2300 empréstimos
  4. 1984, de George Orwell, com mais de 1600 empréstimos
  5. Olhos d'água, de Conceição Evaristo, com mais de 1600 empréstimos

Os 5 escritores que mais tiveram empréstimos

  1. Aline Bei com mais de 3200 empréstimos
  2. C. C. Hunter com mais de 3300 empréstimos
  3. Stephen King com mais de 3000 itens empréstimos
  4. George Orwell com mais de 2900 empréstimos
  5. Machado de Assis com mais de 2800 empréstimos

Como funciona?

Para utilizar o serviço gratuito, basta que os interessados acessem o site ou baixem o aplicativo BibliON, disponível no Google Play e na Apple Store e realizem um breve cadastro. O usuário pode fazer empréstimo de até duas obras simultâneas, por 15 dias. A BibliON permite ações como organizar listas, adicionar favoritos, compartilhar um livro como dica de leitura nas redes sociais, fazer reservas, ver histórico e sugerir novas aquisições.

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[22/06/2023 09:20:00]