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Direitos sobre tipos gráficos
PublishNews, 23/01/2013
Direitos sobre tipos gráficos

A celebração dos 80 anos da criação da fonte Times New Roman, noticiada pelo Caderno Prosa & Verso do jornal O Globo, de 12.01.13, serviu de inspiração para este artigo. Procurei, no entanto, o viés da proteção das fontes pelo direito autoral, já que são claramente, a meu ver, “obras de desenho” previstas e protegidas pelo art. 7º, inc. VIII, da Lei 9.610/98, a lei brasileira de direito autoral. Também a Convenção de Berna, que regula o direito autoral no mundo, estabelece a proteção dos desenhos, o que é assegurado pelos seus 166 países signatários. Advirto que indico muitos sites, pois a referência visual é muito útil para complementar o texto, que sem ela ficaria árido.

Curiosamente, a polêmica sobre a proteção das fontes é muito grande no mundo inteiro, sendo certo que, apesar de passível de concessões de licença limitadas, o pedido de sanção para o uso indevido das fontes não é comum. Poucas empresas reclamam judicialmente do uso indevido de fontes, mas há litígios, como o que a empresa americana Font Bureau move contra a rede de TV NBC, cobrando US$ 2M por uso indevido de fontes.

Existem centenas de milhares de fontes, nome dado aos tipos gráficos, isto é, às letras de texto que obedecem a determinado padrão visual. Do ótimo artigo, “Direito de propriedade intelectual sobre tipografia”, de Vivian Amaro Czelusniak e Dario Eduardo Amaral Dergint, cito o seguinte trecho: “Uma definição genérica para tipografia poderia ser então simplesmente a de ‘uma escrita com tipos’, isto é, uma escrita realizada através de símbolos padronizados, formados e replicados uniformemente, totalmente despersonalizados, e representando basicamente letras, números, sinais de pontuação e outros auxiliares”. No artigo os autores narram a tentativa frustrada de registro de nova fonte em órgãos públicos. Acrescento que seria possível registrar esses tipos num Cartório de Títulos e Documentos, o que provaria a anterioridade da criação da obra.

A era da imagem cada vez mais identifica símbolos e culturas por meio de aspectos visuais, como as logomarcas da Coca-Cola, IBM, Apple e Mc Donalds, apenas para citar alguns ícones contemporâneos, cuja visualização das fontes e cores as associa de imediato a determinada empresa ou significado.

Algumas dessas fontes estão disponíveis na internet, como por exemplo, a da Coca-Cola, aparentemente sem restrição de uso individual, mas certamente o uso desse tipo de letra para a identidade visual de outro refrigerante, além de concorrência desleal, poderia justificar ação judicial só pelo uso indevido da fonte.

Outros tipos são de uso livre, mas em mutação. Notem que os novos programas da Microsoft trocaram a fonte padrão Times New Roman pela Calibri. Aliás, sobre a Times New Roman, li um comentário afirmando que, por ser mais estreita, a fonte ocuparia menos espaço e permitiria a publicação de mais conteúdo nas colunas.

Recentemente a Folha de São Paulo contratou a criação de fonte para suas manchetes, elaborada por um designer famoso, de modo a criar uma nova identidade visual. Certamente ele deve ter cedido os direitos sobre o produto criado para a empresa que publica o jornal.

As facilidades da informática fazem com que o nobre e difícil ofício dos artesãos criadores de tipos com buril (daí o termo burilado) e as atividades das antigas fundições sejam disponibilizados em softwares gratuitos. Mas ainda assim a criatividade humana se serve da tecnologia para conceber novos tipos gráficos. Achei alguns exemplos, como o curioso Crimes Tipográficos, o interessante A2 Type, o infindável Fonts, e o estudo da UNESCO sobre proteção e licenciamento das fontes.

Ainda dentro da esfera de criação e proteção, há um programa do MEC que ensina a criar fontes, disponibilizado no site Portal do Professor, e, o mais curioso, um que registra, identifica e transforma a sua caligrafia em fonte, de modo a que a pessoa possa “digitar uma carta manuscrita” com sua própria letra.

Embora a criação e a glória da notoriedade pareçam ser o maior prêmio para os seus criadores, o setor editorial deve ficar atento, pois há fontes cuja utilização exige licença () e o seu uso indevido pode gerar reclamações e até demandas judiciais. O fato é que as belas e variadíssimas fontes sem dúvida são protegidas legalmente e a sua utilização pode ser controlada.

*Submeti a primeira versão deste texto às excelentes designers Baíta Sicupira e Bitty N. Silva Pottier e o resultado das conversas me deu a certeza da relevância do tema.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[22/01/2013 22:00:00]
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