Dia desses num almoço conversávamos sobre livros e baratas. É uma combinação meio estranha, nem tanto pelas baratas, mas pelos livros. Quem afinal fala de livros, ainda mais na hora do almoço? Eram alunos de um MBA relacionado ao mercado editorial. Uma das alunas alugou um Airbnb com uma barata, e o papo andou por aí.
A barata, como é sabido, existe há milhões de anos, com mais de cinco mil espécies pelo mundo, transmite uma série de problemas aos seres humanos, podem viver uma semana sem água, um mês sem comida e semanas sem cabeça. Ou seja, que ser admirável a barata. Veja se não tem uma aí embaixo da sua mesa agora. Converse com ela. Seja amável, ela está no planeta bem antes de você.
Já o livro não é assim tão antigo, mas também afeta os seres humanos, pelo menos aqueles que leem. Aliás, os que não leem também são afetados, porque os livros começam a juntar pó, e as ideias também. A diferença entre a barata e o livro, por mais óbvia que possa parecer, é a relação de perenidade. A barata é quase imortal. Quase. Mas o livro, sim, é imortal. Depois de publicado, nunca mais será extinto. Físico, digital, audiobook, POD (que a deusa a traga um dia) etc., há muitas mídias para tornar o livro perene.
Olhando para a literatura, não é novidade essa relação tão inusitada. Em A metamorfose, Gregor Samsa acorda transformado numa barata, causando uma revolução na família, que realmente sofre a metamorfose. Já em A paixão segundo GH, a narradora prova a secreção branca que sai da barata depois que ela a mata. E em Te vendo um cachorro, Juan Pablo Villalobos dá às baratas um protagonismo intrometido e divertido, em que elas infestam não só o apartamento do Theodoro, mas todo o prédio.
Tá, mas qual a conclusão deste texto que te fez lembrar que pode haver baratas na sua casa? Simples: os livros não podem ser chinelados, mortos com inseticidas, armadilhas ou dedetização. Não precisamos ficar com medo ou asco dos livros, não precisamos forrar embaixo da porta para os livros não passarem. Eles não têm aquelas antenas repugnantes. Portanto, use e abuse dos livros.
Vivemos dias nervosos. Caímos na Copa do Mundo, Lula preso-solto-preso-solto-preso, judiciário atuando no final de semana com máxima eficiência, cavernas inundadas, Datena não é mais candidato ao Senado, CR7 na Juventus, botijão de gás representa quase 40% da renda das famílias mais pobres, aposentados voltando a trabalhar pra compor renda da família, Manuela interrompida e um monte de outras coisas. Onde encontrar refúgio pra tudo isso? Nas baratas ou nos livros?
Marcio Coelho começou sua carreira como revisor na antiga editora Siciliano, passou por muitas editoras como Saraiva, Nova Fronteira e Ediouro. Trabalhou na TAG – Experiências Literárias, prestou consultoria para clubes de assinaturas de livros, é professor de cursos voltados ao mercado editorial e gerente de projetos especiais do Grupo Editorial Pensamento. Além de viver de livros há mais de duas décadas, é apaixonado por eles.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.