
Atriz com passagens por teatro, cinema e televisão, preparadora de elenco, diretora e certificada como coordenadora de intimidade para cenas sensíveis – nudez, por exemplo –, com foco na proteção dos profissionais envolvidos, Larissa Bracher estreia em livro com Verdade inventada: Corpo e neurociência na construção das emoções no palco e na vida (Vestígio, 216 pp, R$ 69,80). A obra é resultado de mais de trinta anos de pesquisas de campo e mais de uma década de escrita.
Moradora do Rio de Janeiro, a autora cresceu em Juiz de Fora, entre as criações visuais dos seus pais, os artistas plásticos Fani e Carlos Bracher, e vive cercada pela música do marido, o cantor e compositor Paulinho Moska. No livro, ela reúne o que aprendeu no teatro e o que estudou de neurociência, assim como o que assimilou nas práticas somáticas, para mostrar que o corpo pode ser um laboratório de emoções criativas para além da biologia, dentro e fora dos palcos. A autora conversou com o PublishNews sobre a novidade, recém-chegada às livrarias de todo o país.
"O corpo e o cérebro são uma dupla altamente eficaz no intuito de proteção da vida e guardam resíduos fisiológicos das emoções como forma de 'lembrar' e evitar riscos futuros. Isso vale tanto para os atores no palco quanto para todos nós, nas personagens cotidianas da vida real. É essencial ter consciência dessas engrenagens emocionais, desde os gatilhos causadores até os efeitos tóxicos que raiva, estresse ou tristeza podem deixar no corpo", exemplifica, tornando a ideia de ler o livro muito sedutora para qualquer um. Leia a entrevista completa:
PN – Você diz que emoção não nasce pronta, a gente constrói. Como ela muda a atuação? E fora do palco, dá pra dizer que o corpo é um laboratório de teste para novas verdades?
LARISSA BRACHER – De acordo com a teoria da neurocientista Lisa Feldman Barrett, que inspira meu livro, a emoção não nasce como reação automática ou universal, mas como uma construção do cérebro a partir de corpo, memória e linguagem. Filtramos o mundo pelos nossos sensores físicos, os sentidos, associados aos 'censores' internos, como crenças, memórias e aprendizados. Se a neurociência contemporânea mostra que somos mais barro que pedra, isso nos dá autonomia para exercitar, de forma deliberada, emocionalidades não habituais. No palco, isso significa sim que o ator pode reorganizar roteiros emocionais a partir de personagens. O exercício leva à excelência: quanto mais praticamos uma emoção, mais ela cria sinapses fidelizadas. Mas esse processo também pode ser tóxico - no livro cito colegas que tiveram dificuldade de se desintoxicar de certas emocionalidades. E, fora do palco, é parecido. O corpo pode funcionar como laboratório de ensaio para a vida. É o que chamo de bioteatro: treinar coragem, alegria ou ternura como quem ensaia uma personagem. O teatro pode ser um território pedagógico e de cura.
PN – Como foi juntar Shakespeare, Stanislavski e neurociência no mesmo livro? Teve alguma descoberta que te surpreendeu nessa mistura? Quem não é da área entende fácil essas conexões ou requer tradução?
LB – Shakeaspeare, Stanislavski e neurociência têm tudo a ver. O dramaturgo inglês se encantava com a possibilidade de o ator mudar suas feições no meio de uma fala até esse gesto fazê-lo chorar. Stanislavski era discípulo de Ribot, um grande precursor da psicanálise que se debruçou sobre as revivências, as memórias revisitadas, que alteram e afetam o corpo no presente. De uma certa forma, o teatro antecipa, através do manejo de emoções, o que a neurociência estuda e classifica. As práticas artísticas antecedem hipóteses científicas. Arte e ciência/tecnologia sempre se afetaram e se provocaram. Escrevo tudo de forma bastante cotidiana e com muitos exemplos práticos. apesar do tema soar denso, a leitura é fluida.
PN – Quando a emoção da cena gruda na vida real: como o ator faz pra se “desincorporar”? Até onde é saudável mergulhar numa personagem? Essas técnicas de reset servem também pra quem não trabalha no palco?
LB - O corpo e o cérebro são uma dupla altamente eficaz no intuito de proteção da vida e guardam resíduos fisiológicos das emoções como forma de 'lembrar' e evitar riscos futuros. Isso vale tanto para os atores no palco quanto para todos nós, nas personagens cotidianas da vida real. É essencial ter consciência dessas engrenagens emocionais, desde os gatilhos causadores até os efeitos tóxicos que raiva, estresse ou tristeza podem deixar no corpo, por exemplo. Aprender a se desintoxicar dessas cargas emocionais é um ato de saúde e autocuidado. E quando você entende que esse processo pode ser treinado, descobre uma potência enorme.


