Na história da humanidade, a relação com os livros sempre esteve marcada por uma certa dose de violência – em algumas eras, mais sutil e velada; em outras, ostensiva e bruta. Mas, parece que vivemos novos tempos, nos quais o conflito é revestido pelo verniz da tendência. Aliás, nada mais clichê do que falar de tendências em uma coluna sobre futuros.
Ironias à parte, um artigo de Sérgio Rodrigues (Vandalizar livros é a última moda, publicado na Folha de S.Paulo), trouxe exatamente essa pauta com um “elegante” exemplo. Na CasaCor Rio, arquitetos e decoradores submeteram obras à brutalidade para que se encaixassem nas paletas de cores do momento. Funcionou de maneira simples: arrancou-se as capas para que todos ficassem em tons mais adequados às decorações minimalistas.

E, conectando com o porvir, um dos temas da coluna Futuros Compostos, o comportamento de afastamento ou degradação do livro – na perspectiva do exercício da leitura – compromete, sensivelmente, o futuro. Em uma palestra na FAAP, o publicitário Walter Longo falou sobre o quanto as tecnologias como a Inteligência Artificial têm sido mais bem utilizadas por uma geração mais velha. O que parece um contrassenso, deve-se ao hábito da leitura.
O publicitário afirma que, nos EUA, há uma maior contratação de pessoas mais velhas para trabalhar com IA, porque os maduros têm mais extensão vocabular, imaginação e repertório. Walter defende que, se não soubermos a diferença entre afrontar, confrontar e enfrentar, não há um prompt de qualidade, portanto, a máquina falha. Se o indivíduo não souber a diferença entre teto e abóboda, não há desenho possível dentro de determinada proposta, portanto, o repertório é necessário para fazer perguntas à ferramenta.
Depois de um período de “invenção da juventude”, viveremos, talvez, uma fase de valorização de uma geração de prateados que teve na leitura um aliado de vida inteira para melhorar a qualidade das dúvidas e das perguntas, segundo ele. “Não se trabalha com Inteligência Artificial se não tiver extensão vocabular; e não se tem extensão vocabular se não houver o hábito de ler. A leitura vai se tornar, novamente, tão relevante quanto hoje é fazer ginástica. Vamos ter que entender a importância da ginástica cognitiva”, afirma Walter, prevendo que, em 20 ou 30 anos, as pessoas não vão falar: “Coitado, ele fuma. Mas, vão dizer: coitado, ele não lê. Embora, hoje, isso seja contraintuitivo”.
Espero e acredito que o futuro do vandalismo de livros será posto à prova na medida em que esse cenário descrito por Walter Longo se concretize. Mal posso esperar para comentar, com os meus netos, quão grotescos foram os tempos em que livros eram queimados, rasgados, violados ou ignorados.
*Lu Magalhães é fundadora do Grupo Primavera (Pri, de primavera & Great People Books), sócia do PublishNews e do #coisadelivreiro. Graduada em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui mestrado em Administração (MBA) pela Universidade de São Paulo (USP) e especialização em Desenvolvimento Organizacional pela Wharton School (Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos). A executiva atua no mercado editorial nacional e internacional há mais de 20 anos.
**Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.