O impacto real da IA no mercado editorial
PublishNews, Fernando Tavares*, 02/02/2024
Fernando Tavares discorre sobre a importância de incluir a IA nos processos editoriais e analisa as possibilidades teóricas e práticas do tema

Este texto nasce de uma reflexão sobre o impacto da Inteligência Artificial (IA) no mercado editorial. Gosto de analisar as possibilidades tanto teóricas quanto práticas, apoiado na experiência acumulada por mim e pela minha equipe, além dos casos de clientes que tenho observado de perto. Realizar testes e experimentos controlados têm se mostrado um caminho ideal para integrar a IA no cotidiano editorial. Isso sem contar os vários relatos de experiências que estão sendo feitas pelo mundo afora e compartilhados em papers ou documentos online.

As interações com empresas de diferentes setores também aumentam minha curiosidade sobre como a IA está remodelando diversas áreas da economia. Analistas ao redor do mundo estão em busca de decifrar os efeitos específicos da IA, especialmente da chamada IA generativa, na economia global.

Segundo um relatório da McKinsey Global Institute, a IA generativa poderia adicionar até US$ 4,4 trilhões de valor à economia mundial anualmente, elevando a produtividade dos trabalhadores e substituindo processos por automações – um cenário bastante otimista, diga-se de passagem.

O mercado global de IA, de acordo com a Fortune Business Insights, foi avaliado em US$ 27 bilhões em 2019, com previsões de alcançar quase US$ 267 bilhões em 2027. Com o avanço da IA generativa em 2023, esses números podem ser ainda maiores.

Diversos setores já estão se beneficiando desta tecnologia, que vai muito além do ChatGPT. Por exemplo, o setor de seguros e o bancário utilizam IA para detectar fraudes e otimizar atendimentos via chatbots.

No marketing, estamos testemunhando a era do Marketing 5.0, onde a tecnologia imita ações humanas para valorizar toda a jornada do consumidor, permitindo decisões mais assertivas e abordagens preditivas, contextuais e ágeis.

Mas, e no mercado editorial?

A era da IA Generativa no mercado editorial

Conforme o Positioning Paper do CESAR, um dos maiores centros de inovação do país, a IA está reformulando o mundo com uma rapidez impressionante. No mercado editorial, há um misto de otimismo e cautela, oscilando entre entusiastas e aqueles que preveem uma destruição do mercado provocada pela IA.

A adoção da IA generativa tem se concentrado em tarefas específicas: geração automática de conteúdo, tradução de textos, revisão ortográfica e gramatical, segmentação de público-alvo e criação de capas. No entanto, quando examinamos os processos mais a fundo, percebemos que a implementação da IA, seja ela generativa ou não, ainda é modesta ou inexistente. A IA, mesmo quando adotada, tem ficado à margem, auxiliando em tarefas específicas, sem assumir processos inteiros.

Em outros campos, vimos que o impacto real da IA se manifesta quando ela é aplicada em processos inteiros, proporcionando escala. Por exemplo, bancos e seguradoras utilizam IA para análise de crédito, otimizando ao máximo esse processo.

Na minha percepção entendo que o impacto significativo da IA só será sentido quando ela substituir processos completos, e não apenas servir como auxiliar em tarefas cotidianas. Embora aumente a produtividade em diversas tarefas, isso não necessariamente escala todo o processo produtivo ou de marketing ou de distribuição.

Em resumo, se a IA não for integrada nos processos internos das editoras para substituir etapas inteiras, o impacto que ela poderá causar dificilmente será revolucionário, pelo menos não tanto quanto em outros setores da economia.

Repito: apesar de muitas ideias interessantes e aplicações práticas interessantes a falta de conhecimento em IA para negócios por parte dos gestores das editoras pode fazer com que ela seja adotada apenas a nível de tarefas, onde apesar de útil, não conseguirá alavancar o mercado editorial da maneira como todos desejamos.

Ou seja, a inovação no mercado editorial passa necessariamente por uma mudança de gestão e de visão para o futuro e não apenas na adoção de ferramentas.

Riscos sempre existem

Na minha opinião existe o risco de que outras empresas, com mais capacidade de gestão e mais técnica, possam tomar a dianteira nesta corrida maluca da IA e criar processos inteiros otimizados pela máquina. Isso seria um desastre para o mercado editorial, já que são os editores que detêm o conhecimento e o know-how específicos para criar conteúdos de alta qualidade.

O grande desafio está em como escalar os processos editoriais com o uso da IA e uma gestão moderna, mantendo a alta qualidade dos produtos editoriais.

Não sei ainda como fazer isso, mas seria extremamente valioso que os editores começassem a pensar em criar soluções inovadoras, disruptivas e de alta qualidade discutindo a adoção da IA não apenas a nível de tarefas mas também a nível de processos e gestão.

Concluindo...

Enquanto navegamos neste território inexplorado da IA no mercado editorial, fica claro que estamos à beira de uma transformação sem precedentes. A verdadeira grandeza do impacto da IA será determinada não apenas pela tecnologia em si, mas também pela ousadia e inovação com que os líderes editoriais a abraçam e a usam de forma equilibrada.

Devemos lembrar que a IA é uma ferramenta poderosa, mas sempre, e somente, uma ferramenta que, se utilizada com sabedoria e visão, pode revolucionar a forma como criamos, distribuímos e valorizamos o conteúdo literário. Portanto, é imperativo que as editoras se armem não só com a tecnologia, mas também com visão estratégica para redefinir o mercado.

Integrar a IA em nossos processos editoriais não é apenas uma oportunidade para melhorar eficiências, mas um passo crucial para reimaginar e revitalizar a indústria editorial em um mundo cada vez mais digital onde os livros e a leitura precisam concorrer com mídias aparentemente mais atrativas. A escolha é nossa: liderar essa revolução ou ficar para trás, testemunhando a história ser escrita por outros.


* José Fernando Tavares é especialista em Publicações Digitais e produtos digitais com mais de 14 anos de experiência no mercado editorial, especializado em tecnologia para negócios e Inteligência Artificial para produtividade. Em 2014, fundou a Booknando, empresa especializada em publicações digitais e livros acessíveis. No ano passado, criou a Volyo Audiobooks, focada na produção de audiolivros com uso de Inteligência Artificial. Com formação humanística, busca utilizar a tecnologia para melhorar o mundo. Tem paixão por vinhos e pelo aprendizado diário.

[02/02/2024 08:00:00]