Onde eu moro tem uma uma! Para você, que não “está a perceber” o motivo da exclamação, explico: tive a sorte (ou privilégio) de morar em um bairro bem servido de livrarias: Laranjeiras, no Rio. Eram cinco há poucos anos e agora são zero. Imagino que em muitos bairros pelo Brasil afora aconteceu o mesmo. Pois agora resido em um lugar chamado “Parede” (no meio do caminho entre Lisboa e Cascais) que tem menos habitantes que alguns condomínios de Laranjeiras e mesmo assim tem uma bela e bem frequentada loja. Porém os moradores de Parede, assim como o resto dos portugueses, nunca estão longe demais de uma livraria: elas estão nas ruas e nos (muitos) shoppings — sejam pequenas e charmosas ou enormes e funcionais lojas de rede, para não falar das livrarias-atrações sempre cheias de turistas e de locais, como a Ler Devagar, a Lello (que chega a cobrar ingresso) e a novata Livraria da Travessa.
Ouvi lamúrias sobre o fim de algumas lojas tradicionais (nada comparável à degola brasileira) mas, assim como segue firme a loja mais antiga em funcionamento no mundo (a Bertrand, no Chiado), também novas lojas vêm abrindo. A facilidade de ter uma livraria sempre por perto — assim como a segurança nas ruas e um jeito mais analógico de ver o mundo — restringe um pouco as vendas online, é verdade, mas o país conta também com boas livrarias.com, que não têm, por enquanto, a concorrência de uma Amazon local.
O brasileiro que visitar uma livraria portuguesa talvez se espante: um livro médio, simples, custa a partir de 15 euros (mais de R$ 60). Preços de 20 a 25 euros são comuns para livros trade. Em contraste com a (justificável) ladainha “no Brasil o livro é caro”, os portugueses sustentam uma alta “percepção de valor” em relação ao livro (considerado um presente de prestígio) e aceitam preços elevados, nos níveis da França, por exemplo, onde o custo de vida (e o salário mínimo) são bem mais altos. (Também em sincronia com a França, a lei do preço fixo é vigente em Portugal, com descontos limitados a 10% nos lançamentos).
Para efeito de comparação: A sutil arte de ligar o foda-se (Intrínseca) tem preço de capa de R$ 34,90; seu correspondente luso, A arte subtil de saber dizer que se foda (Desassossego) custa 15,50 euros (uns R$ 65,50). A rapariga do comboio (Topseller) sai por 20 euros (uns R$ 84), ao passo que sua colega A garota no trem (Record) tem preço de capa de R$ 49,90. É de se notar que os livros brasileiros são facilmente encontrados online com descontos (de até 55%!), enquanto os abatimentos nos seus correspondentes portugueses não passam de 10%, mesmo quando (e este é o caso), os títulos já tenham passado do período de restrição determinado pela Lei do Preço Fixo.
Em suma, a quantidade (e variedade) de livrarias e o preço, em Portugal, parecem contar a favor dos editores, mas, como se sabe, estes são apenas dois dos fatores de uma complicada equação. Temos que considerar ainda a) o quanto desse preço sobrará na mão dos editores (depois do desconto da livraria e dos impostos) e b) quantos exemplares um editor consegue vender. (Assunto para as próximas colunas)
Mas só fechar essa conta não garante nada: a vida acontece fora das planilhas. Um editor brasileiro, mesmo bem experiente, vai ter que reaprender algumas coisas: os eventos de lançamento de livros (que lá são “apresentações” e seguem um ritual bem diferente); os canais de divulgação (lembra-se da mídia impressa?); o perfil dos leitores (a classe social não importa tanto em um país mais “igual”); hábitos de consumo (imagine comprar livros nos correios e recebê-los na lavanderia); a sazonalidade (seu “Natal” pode cair em junho ou setembro, de acordo com sua linha editorial) e por aí vai.
Há muito a descobrir sobre os livros em Portugal — e vale muito a pena, especialmente para quem pensa em se lançar como editor por lá ou apenas desbravar um novo mercado para seu catálogo brasileiro. Quem quiser saber mais pode ir acompanhando as colunas aqui no PublishNews, ou me encontrar (até o fim de agosto, no Brasil) para trocar umas ideias.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
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