Um pouco de tranquilidade todo dia faz um bem danado e estar na presença da natureza ou contemplá-la diariamente, por exemplo, sossega o cérebro, escreveu a neurologista Susana Herculano-Houzel em sua coluna na Folha de S. Paulo nesta semana, à qual deu o título “Tranquilidade”. A sugestão poderia parecer irrealista a um habitante de grande cidade, afinal associamos natureza à praia, à montanha, a lugares distantes dos centros urbanos. Ou a um passeio ao parque no fim de semana. E, assim, esquecemos da natureza incrustada e escondida no asfalto e no cimento da cidade, as árvores, os pássaros com quem dividimos o espaço e que poderiam receber mais importância em nosso cotidiano.

Os observadores de pássaros e da natureza dentro de grandes cidades ganharam há pouco o belíssimo e indispensável Aves do Campus da Unicamp e Arredores, editado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em coedição com a Avis Brasilis. O livro, um guia de observação, relaciona e apresenta com dados um total de 169 diferentes aves que podem ser avistadas em Campinas! O livro pode ser comprado por meio do e-mail avesunicamp@gmail.com

Ter vontade e disponibilidade de olhar e apreciar a natureza no meio de uma cidade grande, incluindo seus parques e áreas verdes, é uma atividade inusitada. Apesar da selva de pedra das metrópoles, vivem entre nós espécies vegetais e animais as mais variadas, que já não guardam relação, no caso de São Paulo, com as perdizes, os pinheiros e outros seres e elementos da natureza cuja presença era tão forte que os nomes foram incorporados à paisagem toponímica e assim permaneceram como vestígios de uma história/natureza desaparecida.

No espaço urbano este olhar precisa ser construído e cultivado. Existem inúmeros lugares em São Paulo onde há pássaros, mas só quando configuramos a visão para vê-los e apreciá-los é que eles se tornam parte da paisagem da cidade e dos nossos caminhos cotidianos, mudando a qualidade da experiência diária de andar pela cidade.

Aves do Campus da Unicamp e Arredores, obra coletiva de Milena Carbo, Arthur Macarrão, Giulia B. D´Angelo, Carlos Henrique Almeida, Wesley Rodrigues Silva e Ivan Sazima – professores e pesquisadores do Instituto de Biologia da Unicamp –, além de guia para observar e conhecer as aves, é uma bem organizada introdução ao mundo dos pássaros e transmite a informação científica que potencializa o prazer e interesse de observar a natureza.

Para observar aves, escrevem os autores, é preciso aguçar a percepção e uma disponibilidade de contemplar, de olhar detidamente, de ouvir, de perceber pequenos movimentos ou ruídos, segundo uma outra lógica e tempo.

Na primeira parte do livro são listadas, com fotografias, 169 espécies de aves e apresentadas informações sobre nome científico e popular, família, dimorfismo sexual (diferença entre macho e fêmea), ambientes onde vivem, alimentação, nidificação e outras. Na segunda parte, estudos sobre a História Natural das aves, especialmente seu comportamento. Um CD com 85 cantos e ruídos (vocalizações) de aves acompanha o livro, projeto da Fonoteca Neotropical Jacques Vielliard, da Unicamp.

Esta publicação se soma a outras, entre eles Aves no Campus, de Elizabeth Hofling e Hélio F. de Almeida Camargo, da Edusp e Instituto de Biociências da USP (2002, 3ª ed. revista e ampliada), que apresenta 143 espécies de aves do campus da Cidade Universitária em São Paulo. Este livro tem uma característica que a torna muito atraente que são os desenhos de aves, uma a uma, diferentemente do livro sobre as aves da Unicamp, que apresenta fotografias. As ilustrações são de Frederico Lencioni Neto e a arte do desenho científico ainda é talvez insubstituível. A Edusp lançou também, em 2004, Fauna e flora no campus, de Jane Elizabeth Kraus, Elizabeth Hofling, Miguel Trefaut Rodrigues e Maria Ruth Amaral de Sampaio. É um livro, não em formato de guia, com ótimas fotografias e informações científicas sobre quarenta animais, incluindo a preguiça, e 40 vegetais.

Outro livro nesta mesma linha é o Guia para Mamíferos da Grande São Paulo, de Ana Lúcia Auricchio e Paulo Auricchio, do Instituto Pau Brasil/Terra Brasilis, lançado em 2006 e bilíngue português-inglês. Apresenta animais que vivem na Mata Atlântica, reduzida a apenas 7% de sua área original, considerada pela Unesco como um dos 34 hotspots de biodiversidade, um dos ecossistemas com a mais rica biodiversidade no mundo. Segundo os autores, das 4.800 espécies de mamíferos do mundo, a Mata Atlântica tem 261, dos quais 73 só existem ali.

Vale a pena citar também o Guia dos Parques Municipais de São Paulo, editado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e cuja terceira edição relaciona cerca de 100 parques municipais (pode ser baixado aqui).

Os guias de observação de aves são uma tradição em vários países, que contam com associações e um turismo organizado. Os guias permitem a identificação da ave avistada e são companheiros inseparáveis do viajante. Certamente existem outros guias e amplo espaço editorial para mais edições de guias de natureza na cidade. Com isso, talvez a nossa selva de pedra se torne um pouco mais selva...