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O homem em rede nunca se prende
PublishNews, 20/06/2013
O homem em rede nunca se prende

Na quarta à noite corri de bombas de gás lacrimogêneo na avenida Paulista. Por razões nada heroicas e puramente circunstanciais. Fui convidado para o Congresso Internacional do Livro Digital da CBL, e tanto o Congresso quanto o hotel, além do bar onde fui “jantar”, ficavam no eixo da Paulista. Fui obrigado a cruzar a avenida, àquela hora, um errático campo de uma batalha cuja causa e razão ainda não entendemos.

Na manhã seguinte mediei uma conversa sobre o “ser digital”. Sendo o público formado por editores, eu deveria encaminhar o mesa para o comportamento (de consumo) desse novo “ser”, os migrantes e nativos digitais, leitores e compradores de e-books. Não havia, no entanto, como contornar o grande assunto: a cidade entrando em convulsão. Por sorte e honra, a mesa era composta pelos bravissimi professores Massimo di Felice e Mario Pirredu, que vêm refletindo sobre a relação entre o homem e a tecnologia — sobre como a internet vem expandindo a capacidade de comunicação e interação do indivíduo, e as transformações na sociedade provocadas por esse novo “homem reticular”. Suas reflexões não poderiam ser mais pertinentes para entendermos (ou tentarmos) as “manifestações” que ocupam as ruas do país, e que têm deixado cientistas políticos e outros pitaqueiros perplexos.

Massimo di Felice, já em 2008 dizia que “desde a Grécia antiga as informações chegam por via analógica, unidirecionada. Há um emissor, uma mensagem, e um receptor.” São exemplos: um canal de televisão, um programa e uma audiência; um jornal, uma matéria e os assinantes; um livro, uma edição, um leitor. “Com a comunicação digital temos, pela primeira vez, uma forma de comunicação em rede onde todos os indivíduos são, ao mesmo tempo, emissores e receptores, todos nós podemos criar mensagens e distribuí-las em rede.” Quem acompanhou as manifestações pelo Facebook ou Twitter percebe a larga superioridade dessa nova forma de comunicação — em rede, para os lados— sobre a anterior — centralizada, de baixo para cima. Pela internet não só se acessavam as notícias antes que elas fossem “publicadas”, quanto se recebia uma profusão de pontos-de-vista, incluindo os que analisavam, e até desmoralizavam, o que dizia a titubeante mídia “tradicional”.

A instantaneidade da troca de informações e a multiplicidade de pontos de vista pode explicar uma nova e estranha característica nas manifestações: a falta de bandeiras, de lideranças, de agendas. McLuhan já dizia que quando todos estivessem conectados entre si, a “propaganda” (no sentido inglês) política perderia efeito. “O público, (ou a ‘opinião pública’) no sentido de um grande consenso de pontos de vista distintos acabou”, e ficou portanto difícil aglutinar, em uma grande e simplificadora causa, indivíduos interconectados que opinam e recebem opiniões imediatamente. “A política oferece respostas de ontem” (balizas do século 20, como “esquerda” e “direita”) “para perguntas de hoje”. Se não a política, quem teria as respostas para os problemas de hoje? A própria rede, talvez?

Massimo di Felice é (digamos) otimista. “A nova democracia muda completamente a forma de participação do indivíduo na sua cidade. A mídia de massa, analógica, fazia com que o indivíduo somente recebesse a informação e, portanto, só se tornava ativo como cidadão na medida em que fosse informado pelas mídias, que era o instrumento que determinava a inclusão na esfera pública. A rede digital, a cyberdemocracia, cria uma outra forma de participação, completamente diferente. O indivíduo não somente usa a rede para acessar as informações, mas pode ser editor, criador de informações, além de fazer a sua distribuição na rede. Cria uma forma ativa de cidadania, uma forma de democracia direta.” As redes sociais cumpririam a profecia de Norberto Bobbio (em 1992), de que uma democracia plena e absoluta só existiria quando houvesse uma máquina pela qual “o indivíduo possa, com um simples apertar de um botão, distribuir o próprio parecer, a própria idéia, o próprio voto, em tempo real para a população inteira.”

Di Felice atesta que “democracia direta é hoje tecnologicamente possível.” A questão é saber se a queremos, ou se estamos preparados para ela. “A maior ameaça para a sociedade hoje chama-se mídia social”, disse o premier turco Erdogan, diante das multidões que cobriam Istambul, sintomaticamente confundindo “sociedade” com “Estado”. A “sociedade” — ou o que quer que se chame assim —, reagiu com o mesmo medo, e com violência variada, o Occupy Wall Street, as “Primaveras árabes” em Túnis, no Cairo e Damasco, o levante de Istambul e as Revoltas do Vinagre no Brasil. Vamos ver quantas mais revoluções “online” serão necessárias até que passemos para essa “cyberdemocracia”.

Já sabe-se porém que o fim desse mundo não vai passar na televisão.

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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