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En Garde!
PublishNews, 15/08/2012
En Garde!

Passeando pelos Jogos Olímpicos de Londres, na televisão, tenho a atenção chamada pela expressão “En garde! Prêt? Allez!” (Em guarda! Pronto? Vão!), com a qual o Juiz dá início às lutas de esgrima. A surpresa de ouvir o francês numa competição mundial, ainda mais em Londres, aguça a curiosidade e estimula a pesquisa.

Esgrima vem do francês escrime (arte de manejar a espada) e deriva do alemão schirm (abrigo). O significado é mais ou menos a origem do nome oficial do esporte na olimpíada “fencing” , do francês défense e do inglês defence, evoluindo para fence (cerca, abrigo), no sentido de proteção. E desse pequeno estudo vêm os diálogos como o de Cyrano de Bergerac ao esgrimir com habilidade e ironia, no livro homônimo de Edmond de Rostand (cf. a belíssima cena IV do 1º ato, em francês com legendas , na qual Cyrano compõe uma balada (ballade) enquanto luta).

Mas como a coluna trata do Direito e mercado editorial vamos ao tema, apontando algumas palavras de origem francesa. De início o art. 5º, VII da lei de direito autoral brasileira (9.610/98) conceitua contrafação como a “reprodução não autorizada de obra”, oriundo esse termo do francês contrefaçon (Código de Propriedade Intelectual da França, art. L335-2). E as cartas missivas (missives), referidas no art. 34, são aquelas que foram enviadas, do latim mittere, que significa enviar, daí remetente, emitente. Mais adiante o art. 47 da mesma lei alude às paródias (parodie), isto é, imitações jocosas de algo sério. E o art. 63, §2º considera esgotada uma edição de livro quando restarem em estoque (esse do inglês, stock), dez por cento do seu total.

Dentre os locais em que se pode fiscalizar a execução pública de músicas, o art. 68, § 3º relaciona os salões de baile (salons de bal) e as boates (boîtes, literalmente caixas). O art. 81, VII se refere aos dubladores, isto é, aqueles que fazem dublagens (doublages). Falando nisso, os intérpretes (interprètes), referidos no art. 92, representam os papéis ou cantam as músicas. O art. 100 estabelece que os sindicatos (syndicats) podem fiscalizar as contas de seus associados no ECAD.

Já a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais indica em seus estatutos, como forma de controle de arrecadação dos espetáculos, a fiscalização pelo borderô (bordereau), um demonstrativo da receita dos ingressos enquanto o público se delicia na bomboniere (bonbonnière). Mais informalmente, o desejo de sucesso: “Merde!” (dispensa tradução), vem da expectativa de muito público nas apresentações, medido pelo volume de dejetos dos cavalos condutores das (muitas) charretes – mais um galicismo, isto é, palavra da Gália, colônia romana da qual se originou a França – paradas na porta dos teatros quando da estréia das peças.

No âmbito das penas, se um devedor não cumpre sua obrigação pode sofrer uma astreinte (pena consistente em fixação de multa diária pela inexecução do que deveria fazer). E o guarda na rua anda com seu cassetete (literalmente “casse tête”, quebra-cabeça) para inibir ou conter agressões.

Enfim, a bela e forte influência francesa nos ronda, quase que imperceptivelmente, na luz do abajur, no sabor do croissant, da baguete, da quiche e do pavê, trazidos pelo garçon do bistrô (significa rápido, pedido feito pelos russos, nos restaurante que acabaram servindo comida menos rebuscada e demorada). As moças ainda usam sutiã (soutien), mas já não tem mais saias plissadas (plissée), nem corte chanel. No trabalho existe a palavra birô (bureau), assim como se usa gravata (cravatte, que vem do lenço usado ao pescoço pelos croatas, v. Petit Robert). As moradias ao rés do chão (rez-de-chaussée, literalmente rente aos sapatos), e os passos da quadrilha (quadrille, dança de pares) junina, como o anarriê (en arrière) são exemplos da bela influência francesa na língua portuguesa.

Enfim, a nossa língua - assim como o nosso direito de autor sofreu grandes influências do droit d´auteur francês – é ricamente influenciada por esse monumental idioma, o que comportaria muitos outros artigos, dedicados a influência francesa no sistema jurídico brasileiro.

Voltando ao início, apesar de se chamar, internacionalmente, fencing, a esgrima ainda é reduto francófono. Touché!

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[14/08/2012 21:00:00]
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