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Livros sem idade
PublishNews, 15/10/2012
A importância dos livros sem idade reside precisamente no fato deles ultrapassarem seus destinatários naturais e ampliarem seu escopo de leitores, graças a suas qualidades tanto formais como de conteú

Vou retomar a reflexão da última coluna. O Simpósio Internacional PROALE I – Esses livros sem idade, na Faculdade de Educação da UFF, realizado nos últimos dias 5 e 6 de Outubro, foi um sucesso e uma oportunidade muito especial de aprofundamento de algumas questões fundamentais sobre o livro para crianças e jovens da atualidade.

Convidados internacionais puderam debater e discutir sobre o tema, cuja atualidade e premência foi ressaltada por todos. Um assunto que inicialmente poderia parecer estranho – livros sem idade – acabou se mostrando uma porta de acesso a temas chaves para avançar na tematização e compreensão do livro infantil e das questões em torno da leitura e da formação leitora.

Todos foram unânimes em criticar a validade e o efeito das divisões tradicionais dos catálogos por faixas etárias, e apontaram as consequências negativas dessa rígida delimitação. A necessária orientação aos mediadores (sejam eles professores, familiares ou bibliotecários) deve passar por mecanismos menos artificiais e mais focados na formação leitora do próprio mediador. Afinal, foi consenso também o reconhecimento de que, quanto menos familiarizados com a leitura, mais necessidade de orientação os mediadores deverão ter.

Essa tônica foi consenso entre os participantes, porém foi possível identificar, nas entrelinhas, nuances importantes entre os pontos de vista dos autores, ilustradores, editores e especialistas. Não houve ainda grande repercussão, mas certamente o aprofundamento necessário que esta reflexão exige a colocará muito brevemente em evidência. Um dos maiores saldos do Simpósio, a meu ver, foi o foco na necessidade de revisão de muitos parâmetros por meio dos quais passam a análise e o trabalho em torno do livro para crianças e jovens hoje em dia.

Está claro que o momento atual do gênero difere muito daquele sobre o qual se edificaram grande parte dos conceitos que formataram teórica e praticamente o livro para crianças e jovens. A multiplicação de gêneros; a diversificação e adaptação de produtos de acordo com diversas etapas da infância; o fortalecimento do livro ilustrado e da imagem como uma narrativa muitas vezes complementar e/ou autônoma; a afirmação do livro como produto e a influência crescente do peso da escola e do mercado ampliaram de tal forma o universo de referências, que hoje a própria denominação de todo este conjunto como “literatura infantil e juvenil” é, no mínimo, uma imprecisão que exige um olhar mais cuidadoso.

Sabemos que não é fácil chegar a um consenso do que seja literatura, e não é disto que se trata aqui. A questão é apenas a de apontar que, se nem todo texto é literário, existem alguns critérios mínimos a partir dos quais a literalidade de um texto pode ser identificada, por mais simples que seja. No campo do livro para crianças e jovens, assim como no campo dos livros para adultos, nem tudo que se produz como literatura passa por uma análise um pouco mais aguçada. Nesse sentido, falar em “livros” para crianças e jovens se aproxima mais da amostra diversa da produção atual, onde os textos literários têm o seu lugar.

Nessa mesma direção, podemos acompanhar o esforço de alguns especialistas e ilustradores no sentido de se aproximar da particularidade do livro ilustrado e do papel das imagens nessa sua relação complementar e decisiva com o texto. Sophie Van der Linden, passando no Brasil por Odilon Moraes, Daniel Bueno, Fernando Vilela, Laura Teixeira, e Angela lago, apenas para citar alguns, são exemplos de busca da especificidade desse novo gênero que o livro ilustrado representa. A importância disto é que, sem duvida, coube a este novo tipo de livro abrir espaço para novas experimentações e possibilidades do livro para crianças e jovens.

A compreensão desta nova realidade exige um instrumental analítico que dê conta dessa nova produção e de como é possível apropriar-se de forma mais ampla e profunda de suas possibilidades. O livro ilustrado exige um leitor com um olhar não apenas focado na compreensão textual, mas na leitura de imagens. Mas não só, pois o cruzamento e complementaridade de duas narrativas de tipos distintos produzem novas relações entre livro, leitor e mediador, assim como leituras em diferentes níveis.

Chamar as coisas pelo que são, não é apenas um cuidado retórico, mas a chave para entender melhor cada uma das manifestações produzidas e assim tirar o máximo proveito de suas possibilidades e fruição. Paralelamente a isso, é muito importante também ver como o mercado cria novos nichos e com isso novas necessidades. Um dos exemplos mais recentes talvez seja o forte crescimento dos livros para bebês que, como já me referi em outras oportunidades, corresponde à um “novo” segmento não só no que se refere ao mercado privado, como público. Este reconhecimento não carrega nenhum juízo de valor no sentido de comprometer a qualidade de um determinado livro.

A qualidade não se depreende do fato de um livro ser ou não um produto para o mercado – até porque todos o são – mas sim de sua realização interna seja qual for o seu gênero. Procurar entender as mudanças pelas quais passa a produção do livro infantil e juvenil, entender as novas plataformas e suportes que permitem maiores renovações e ousadias, sem dúvida, pode ajudar na aproximação dos leitores mais jovens e na sua sensibilização para o mundo da leitura.

A importância dos livros sem idade reside precisamente no fato deles ultrapassarem seus destinatários naturais e ampliarem seu escopo de leitores, graças a suas qualidades tanto formais como de conteúdo. Podem ser livros informativos, livros para bebês, clássicos, livros de imagens, novelas – não importa o gênero — que sobrevivem à volatilidade do mercado, sensibilizam e atraem leitores de todas as idades.

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Dolores Prades é editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens. É membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen e curadora da FLUPP. É também coordenadora do projeto Conversas ao Pé da Página - Seminários sobre Leitura, e da área de literatura para crianças e jovens da Revista Eletrônica Emília. Sua coluna pretende discutir temas relacionados à edição e ao mercado da literatura para crianças e jovens, promover a crítica da produção nacional e internacional deste segmento editorial e refletir sobre fundamentos e práticas em torno da leitura e da formação de leitores. Seu LinkedIn pode ser acessado aqui.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[14/10/2012 21:00:00]
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