Ensinar a escrever: a dupla face da mesma palavra
PublishNews, Patricia Gonçalves Tenório*, 22/03/2024
Uma das grandes (e poucas) certezas de quem deseja se tornar uma pessoa que escreva melhor, é que se precisa ler muito

Cursos de escrita criativa podem criar comunidades | © Freepik
Cursos de escrita criativa podem criar comunidades | © Freepik
“Ensina-se ou aprende-se a escrever?” Muito se foi discutido sobre esta frase. Nesses momentos de impasse sobre se é possível ou não ensinar a escrita ficcional, não ficcional e/ou poética, lembro sempre de uma palavra em francês.

Apprendre pode significar aprender, mas também ensinar na língua francesa. Este significado duplo cai feito uma luva no aprendizado da Escrita Criativa. Uma das grandes (e poucas) certezas de quem deseja se tornar uma pessoa que escreva melhor, é que se precisa ler muito e os bons para engrandecer o que escrevemos; é preciso escrever diariamente, mesmo que não publiquemos, para treinar nossa arte; é preciso se preparar para quando a ideia ou inspiração iluminar nosso espírito. Ou como Ariano Suassuna afirma em Iniciação à estética: aliar a técnica, ou estudo contínuo, com o ofício, ou escrita diária, para quando a intuição criadora descer do sol feito uma ave de rapina, estarmos preparados para darmos o salto e criarmos uma obra de arte.

“Quem escreve é solidão. Mas Escrita Criativa é comunidade”. Costumo soletrar este mantra com todos os átomos do corpo e do espírito, porque ele é o que me move há vinte anos. Além de ser possível uma Analista de Sistemas, aos 34 anos, aprender a escrever ficção, não-ficção, poesia, é também estritamente necessário aprender em comunidade, em trocas com outras e outros escritores, de maneira construtiva e altruísta, o que as oficinas literárias, inseridas em ambiente acadêmico ou não, facilitam e proporcionam de forma crescente e evolutiva, em qualidade e quantidade.

Desde 2016, ministro aulas de Escrita Criativa de maneira presencial e on-line. Gosto de afirmar que sou melhor aluna do que professora, porque, assim como com os nossos filhos, aprendemos mais com os alunos do que ensinamos, essa dupla face da mesma palavra apprendre em francês. E que imensa alegria ver uma escritora, um escritor desabrochando em qualidade e quantidade nos seus textos... É uma pessoa que está se formando, ao mesmo tempo que dá forma à própria história, aos próprios versos, frases, personagens.

Em 24 de fevereiro de 2024, iniciamos um projeto há muito sonhado por mim e abraçado por 28 professores do Brasil inteiro: os Estudos em Escrita Criativa Social. Em parceria com a Casa Zero, no bairro do Recife Antigo, na capital pernambucana, conseguimos acolher 27 jovens em situação de vulnerabilidade econômica e social que desejam se tornar escritoras e escritores e lançarem o primeiro livro de maneira coletiva. Se será possível ensinar e aprender a escrever, não temos o poder de antecipar feito um oráculo. Mas a energia emanada pelos jovens, pelos professores, todas e todos envolvidos no projeto é força suficiente para transformar nossas vidas para sempre, o que uma verdadeira obra de arte é capaz de realizar.


*Patricia Tenório é escritora, tem trinta livros publicados, é doutora em Escrita Criativa, uma das idealizadoras da primeira especialização em Escrita Criativa em Pernambuco (2019). É a fundadora do Grupo de Estudos em Escrita Criativa, criado em 2016. Em 2023, foi responsável por promover o primeiro workshop sobre o tema na Feira do Livro de Frankfurt, apresentado por ela e outros sete escritores brasileiros.

[22/03/2024 11:11:48]