Três Perguntas do PN para Luís Henrique Pellanda, autor de 'O caçador chegou tarde'
PublishNews, Guilherme Sobota, 21/11/2023
Escritor curitibano divide uma mesa na Casa PublishNews com outros autores para falar sobre as formas breves na literatura

Luís Henrique Pellanda, convidado da Casa PublishNews na Flip 2023 | © Maralto Edições
Luís Henrique Pellanda, convidado da Casa PublishNews na Flip 2023 | © Maralto Edições
Em O caçador chegou tarde (Maralto Edições), seu oitavo livro, o escritor curitibano Luís Henrique Pellanda – conhecido também pelas crônicas de flaneur, em que seu narrador percorria o centro de Curitiba e ali fazia uma cartografia absolutamente pessoal não apenas da cidade, mas dos sentimentos de um indivíduo no Brasil em acelerado estado de crise – se volta para dentro. No volume lançado no início de 2023, os contos passeiam por gêneros literários milenares, como o mito, a fábula e a anedota, para refletir, com sua fina e elegante escrita, sobre os elementos que construíram a realidade psicossocial dos últimos anos.

Além de participar de um painel na Casa PublishNews na Flip 2023 (na quinta-feira, 23, às 10h40, com Maurício de Almeida, Cristiane Mateus e Rafael Gallo) sobre as formas breves, Pellanda respondeu a três perguntas do PublishNews.

— Muito do seu trabalho como cronista (e até como contista) tinha uma aderência, digamos, mais direta na realidade do que os contos de “O caçador chegou tarde”. Houve aqui uma mudança em direção a um plano mais fabular e onírico? Como esses contos surgiram?

Não sei dizer se o que eu escrevia antes, mesmo como cronista, seria mais aderente à realidade do que os contos que escrevi para O caçador chegou tarde. Meus livros de contos sempre se apoiaram um pouco na “lógica” das narrativas de sonho, mesmo quando pareciam seguir um padrão mais objetivo ou linear, às vezes até parodiado das narrativas policiais ou confessionais. Quanto à crônica, também me agradava aproveitar a ideia geral de que o gênero costuma se ater a episódios factuais ou anedóticos, baseados num cotidiano supostamente realista, para puxar o tapete dos leitores, trabalhando com a possibilidade de que o flâneur que ali me representava talvez estivesse dormindo, explorando uma cidade de sonho e, consequentemente, percorrendo o subconsciente dessa cidade (no caso, Curitiba, em um momento histórico e político bastante conturbado). O que houve no Caçador foi que isso ficou mais exacerbado, e por diversos motivos: a crise geral; a diminuição das colunas disponíveis para os cronistas profissionais na imprensa; a pandemia, que forçou o escritor-caminhante a ficar em casa, preso à sensação de haver “perdido as ruas” que, antes, lhe davam sustento. Minha saída, então, foi voltar-me para o ambiente interno, íntimo, oposto ao da praça, ao espaço público. Para isso lancei mão dos recursos do sonho, do conto de fadas, da fábula, do mito. E o viés do simbólico, para retratar esse período por que passamos, me pareceu mais adequado do que nunca. O momento pedia.

— O painel que você vai participar na Casa PN na Flip aborda justamente as “formas breves”, nas quais você é especialista. Quais as características delas que mais te atraem?

Se pensarmos no sonho como num modelo inicial para a narrativa humana ficcional, já temos aí algo bem atraente. No meu caso, sempre me senti muito próximo, como leitor e até mesmo ouvinte, de formas mais antigas de se narrar: a parábola, a fábula, a anedota, as lendas africanas ou indígenas, o conto filosófico árabe, indiano, oriental. Se falamos da Bíblia, por exemplo, logo lembramos de que se trata de uma grande moldura para uma série de histórias breves, onde o que menos importa é o conceito de autoria. E temos molduras semelhantes no Dom Quixote e no Decamerão, algumas das leituras que me formaram, na adolescência. Meu modo de fabular, portanto, talvez por influência dessas histórias de formação, é também curto, e elabora um plano simples: desenvolver uma ideia básica e logo abandoná-la, se possível em aberto, para poder, em seguida, dedicar-se a outro enredo, a uma nova trilha, um caminho alternativo, mesmo que num mesmo campo temático. Nesse sentido, aliás, seria possível formularmos a ideia contrária. Minhas crônicas, durante cerca de 15 anos, trataram de um mesmo protagonista, que, ao levar suas filhas para a escola, acompanha o dia a dia de uma cidade que se desmantela. Se essas crônicas forem lidas em ordem cronológica, é possível ao leitor acompanhar o desenvolvimento de uma narrativa muito mais extensa, que lhes dá notícias do crescimento das crianças, do amadurecimento do narrador, da deterioração social e política da cidade, do destino do país em que vivem etc. Ou seja, uma narrativa longa, construída com calma, bloco sobre bloco, e em tempo real.

— Além de escritor e jornalista, você também tem um trabalho como curador de eventos literários. Como você avalia o estado atual dos eventos e feiras, já consolidado o retorno dos eventos presenciais?

Trabalhei bastante como curador e mediador, mas não sei se ainda posso falar com propriedade sobre o assunto. Há anos não participo tão ativamente dessas atividades. Certo é que, até o meio da década passada, avançamos muito na tarefa de se criar e promover uma vasta e eficiente rede de comunicação entre os inúmeros brasileiros interessados em leitura e literatura espalhados pelo país. Foi um trabalho que já vinha de décadas, e que contou com o esforço de milhares de pessoas abnegadas. O Brasil abriu e precisa continuar abrindo novos e melhores canais de troca de ideias e experiências políticas e/ou estéticas que conectem todas as suas regiões. O fortalecimento da nossa cultura depende dessa interlocução. Se o extremismo ideológico e a pandemia nos atrasaram, é questão de agora reorganizar a casa. Tem muita gente trabalhando do jeito certo. E a nosso favor, a meu ver, temos o florescimento de uma diversidade poderosíssima, capaz de tudo, e que talvez tenha se tornado a nossa maior força nesses últimos anos.

[21/11/2023 07:00:00]