
Há uma espécie de encantamento quando um livro cai “na boca do povo”, ou sai da sua bolha (em tempos de algoritmo, tudo é bolha), como se ganhasse vida própria e passasse a circular por impulso, desejo e curiosidade compartilhada. E essa engrenagem vai ganhando força somada às estratégias de mídia, de pontos de venda e de distribuição.
Recentemente deixei Satantango, do Nobel László Krasznahorkai, esperando na minha fila — ainda naquela etapa prévia, a da compra, a boca do funil. Como alguém que tem o livro como vício e ofício, comprar livros é quase um ato impulsivo (sem contar os que ganhamos dos amigos). E lá ficou o húngaro, imóvel na fila de espera, até que uma simples conversa com um amigo, alguém com quem compartilho afinidades em cinema, literatura e afins, reacendeu o impulso. Mesmo para alguém que precisa ler por ofício e gosta de ler por prazer, o gatilho da compra ou da leitura veio desse amigo. E isso acontece com frequência.
A história identificada pelo público leitor retroalimenta a engrenagem das estratégias, da distribuição, da mídia e do furo da bolha: pela experiência que impactou meu amigo e que, concordando ou discordando dele, vai me atravessar também. Não pelo ato do consumo em si, mas pela história que ele carrega.
Como profissional do livro, atuando no marketing editorial, essa é uma pauta que me apaixona profundamente: o que faz uma narrativa impactar tanto a ponto de um livro ganhar o que chamo de boca a boca master?
Seguimos a mesma lógica quando pensamos em séries que explodem, novelas cujos personagens se tornam favoritos, reportagens marcantes ou casos que viram assunto nacional. Sempre me pergunto o que faz um escândalo ou um crime ganhar proporções astronômicas enquanto outros passam quase despercebidos. São as circunstâncias? O tempo do tema? A identificação? O investimento em mídia?

O gráfico produzido por Bo McCready, cientista de dados da Apple e Tableau Public Ambassador, conhecido por suas visualizações sobre cultura pop, esportes e tendências sociais, ilumina esse ponto a partir do cinema. Ao analisar cem anos de dados sobre gêneros cinematográficos, McCready mostra ascensões e quedas que não podem ser explicadas apenas por estratégias de marketing, até porque, ao longo de um século, esses mecanismos mudaram radicalmente. O que seu gráfico revela é o efeito combinado de fatores históricos, transformações culturais, preferências coletivas e momentos específicos em que um gênero encontra (ou deixa de encontrar) lugar no imaginário público. Esse mesmo tipo de dinâmica molda o destino de tantos livros.
Quem trabalha dentro dos departamentos de comunicação sabe o quanto é difícil fazer um título emergir enquanto inúmeros outros fenômenos disputam a atenção coletiva: eventos globais, grandes shows, tragédias, qualquer acontecimento capaz de capturar o desejo por narrativas nas quais o leitor se reconheça e às quais decida dedicar tempo, compra e leitura. Para além dessas forças que atravessam cinema, televisão e jornalismo e moldam o comportamento cultural como um todo, existe ainda uma corrida acontecendo dentro do próprio mercado editorial. É uma disputa silenciosa pela concentração de visibilidade e pelos mecanismos que definem o que ganha vitrine e o que permanece à margem.
Os dados da BookInfo deixam isso evidente: entre os 205 mil livros vendidos no período analisado, 75% da receita ficou concentrada nos 10 mil títulos mais vendidos (dados de 2024 e do primeiro semestre de 2025). É um retrato de como, mesmo dentro da própria indústria, poucos títulos conseguem ganhar escala enquanto milhares disputam, entre si, uma fatia cada vez mais estreita do interesse do leitor.
No fim das contas, diante de uma oferta quase infinita de histórias, estímulos e disputas por atenção, o leitor faz o que sempre fez quando as opções se multiplicam além do possível: recorre às referências que reconhece como verdadeiras. Conta com as indicações dos seus, daqueles cuja sensibilidade atravessa a nossa, como a do meu amigo que tirou Satantango da minha fila de espera.
É preciso lembrar que o comportamento do leitor inclui também essa famosa fila: a estante cheia de livros ainda não explorados, pacientemente acumulados, aguardando o momento em que uma fagulha externa, uma conversa, um entusiasmo compartilhado, os faça finalmente emergir.
*Mariana Bastos é jornalista com 15 anos de experiência no mercado editorial. Coordena projetos culturais e criativos premiados voltados ao fomento à leitura e à democratização do acesso ao livro. Atualmente, é Coordenadora de Marketing e Estratégia da Ação Editora, na qual integra práticas editoriais de mercado a ações de impacto social para ampliar o alcance e a relevância do catálogo da casa editorial ligada à Ação da Cidadania.


