
O experimento deu certo pela metade, porque o Chat esgotou os créditos para gerar áudio no meio da conversa – mesmo assim, uma sensação curiosa se instalou na sala. A mediadora questionou como a IA pode afetar o mercado editorial, e o robô respondeu coisas como: “pode ajudar a analisar grande quantidade de dados para identificar audiências e tendências, segmentar as mensagens para o público, agilizar os fluxos de trabalho, providenciar ideias para postagens em redes sociais”. Biesemeier lamentou que o papo foi interrompido porque uma das suas intenção era mostrar que o robô falha – o que ficou claro quando ela começava a responder todas as perguntas da mesma forma (usando a palavra “absolutely”) e com o mesmo ritmo.
“Pensamos que IA é uma espécie de mágica que vai salvar tudo, mas é só uma ferramenta”, disse o diretor da empresa alemã de distribuição digital. “É possível fazer muito para automatizar processos, por exemplo, mas mais importante do que isso é treinar pessoas dentro das empresas para saber o que está acontecendo. Não podemos apenas usar o ChatGPT, não dá para confiar apenas nas bigtechs”, complementou. “Outro fator muito importante: não tenha medo. A IA cria a ilusão de perfeição, mas não é perfeita. Ainda há um aspecto humano fundamental. É necessário uma pessoa para a tecnologia funcionar da maneira correta. Ela precisa de nós para trabalhar – mas continua a ser uma grande ferramenta. O que posso garantir é que não usar não é mais uma opção. A IA está aqui e não vai sumir de uma hora para outra.”
Além da extensa discussão sobre o uso das ferramentas para os audiolivros, outra função inédita utilizada no evento deste ano foi a tradução de trechos nas negociações de direitos, principal atividade no evento em Frankfurt. Além dos resumos fornecidos por agentes e editores nas reuniões, se um livro despertar atenção especial, o editor pode ler um trecho traduzido – por exemplo, do norueguês para o inglês – a partir de uma ferramenta de tradução com IA antes de decidir adquirir os direitos para o livro e partir para a tradução humana.
Em um painel no Publishing Perspectives Forum, a CEO da editora francesa JC Lattès, Véronique Cardi, disse que, na França, um dos mercados mais fortes do mundo, a IA permanece mais voltada para aplicações de marketing do que para o editorial em si. Ela contou ter testado uma ferramenta de resumos para um manuscrito, pedindo ao sistema para identificar o narrador, mas o robô não conseguiu cumprir a tarefa por conta de uma mudança no foco narrativo – “que dá todo o sabor a essa leitura em específico”, disse. “Definitivamente, um leitor humano é ainda fundamental para considerar os manuscritos e trabalhar no texto que queremos publicar.”
A executiva ainda listou outros desafios do mercado francês atualmente: a sustentabilidade do midlist, as mudanças na demografia dos leitores, a preocupação com livros em inglês sendo vendidos sem tradução no país, a integração entre os formatos digitais.
O que ficou claro nas discussões sobre inteligência artificial, tanto nos painéis oficiais quanto nas conversas pelos corredores, é que já não é possível ignorar a necessidade de transparência sobre seu uso nos processos editoriais – porque as aplicações em si ainda estão em fase de testes e de desenvolvimento. Em muitos momentos, a Feira também discutiu os aspectos de regulação e legislação sobre o assunto. O consenso é que a indústria do livro precisa se manifestar no sentido de proteger os direitos autorais e suas propriedades intelectuais.
Algumas das principais novidades que circularam na Feira sobre o tema incluem startups dedicadas a certificar a autoria humana de livros (Books by People, do Reino Unido); a garantir que conteúdos publicados sejam protegidos de treinamentos e usos indevidos (Amlet, da Itália); a organizar os fluxos de trabalho, pagamentos e royalties para agências literárias (Royalty Reader, dos EUA) – entre outras.
Romantasia é a estrela da edição
Números divulgados pela Nielsen em preparação para a Feira de Frankfurt confirmaram o bom momento da Romantasia, agora abrindo espaços para variações. Segundo a Nielsen, dois dos nomes mais fortes do gênero, Rebeca Yarros e Sarah J Maas, estão entre os 10 autores mais vendidos em cinco territórios, e entre os 50 mais vendidos em outros cinco, incluindo o Brasil e a Índia. Em dois anos, as vendas do gênero dobraram no Brasil e na Espanha, triplicaram na Austrália e no Reino Unido, e aumentaram quatro vezes na Colômbia e na Nova Zelândia. No Reino Unido, mais de 15% das vendas são diretamente influenciadas por vídeos no TikTok – número muito maior do que a média para livros em geral, de 4%.
“Romantasia continua a dominar os catálogos da feira de Frankfurt pelo segundo ano consecutivo, mas dessa vez se consolidando enquanto gênero e desdobrando em subgêneros, como romantasia dark, romantasia cozy, romantasia dark academia (diferente da dark, aqui o foco é a ambientação em espaços acadêmicos como faculdades)”, explica ao PublishNews a editora-executiva da Galera Record, Rafaella Machado. “Temos romantasias épicas e contemporâneas, juvenis e adultas, com cenas eróticas e temáticas mais maduras. Em sua maioria, são séries de pelo menos três livros. Por um lado, é muito legal ver essa diversificação, mas o desafio é encontrar algo que realmente se destaca em meio a tanta oferta. Outros gêneros similares que também ganharam espaço nas negociações deste ano são “monster romance”, “cozy horror” e “gothic”.
*O jornalista viajou com o apoio do CreativeSP, programa da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo e da InvestSP, agência de promoção de investimentos vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico.