
Um total de R$ 195 mil serão distribuídos entre sete categorias, organizadas em três eixos. A cerimônia de premiação está marcada para o dia 31 de outubro, na Sala Martins Pena, dentro do Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília. O PublishNews contatou a organização do prêmio e ainda não recebeu resposta. O certame é realizado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec-DF), em parceria com o Instituto Casa de Autores.
A penalização pelo uso de inteligência artificial está previsto no item 6.1.1 do regulamento, que estabelece: “Será desabilitada toda e qualquer obra que use recursos de Inteligência Artificial em sua confecção, devendo o autor declarar no ato da inscrição que não utilizou recursos de IA.”.
Contatada pelo PN, a editora Mondru enviou nota oficial: "Nosso posicionamento oficial é de que as acusações são categoricamente falsas, irresponsáveis e de natureza criminosa. A Mondru Editora e o designer Jeferson Barbosa seguiram rigorosamente todas as regras do edital do 2º Prêmio Candango de Literatura".
Jeferson Barbosa publicou um vídeo em que passa por projetos de edição. Tanto no vídeo quanto ao PN, o designer confirmou que a editora usa inteligência artificial em seus projetos gráficos, mas reforça que nenhum dos livros indicados ao Prêmio Candango de Literatura fez uso dessas ferramentas.

Um coletivo de capistas realizou análises individuais das capas da editora e identificou, por outro lado, características de que elementos das capas contêm intervenção de IA.
O coletivo se posiciona: "A capa apresenta diversos indícios de criação por Inteligência Artificial. A composição mistura elementos visuais de naturezas distintas — o cão em estilo realista, mãos, taça de vinho e coração humano — combinados a chamas e símbolos religiosos estilizados. Essa justaposição de estilos e texturas é típica de criações em IA, especialmente em ferramentas como o MidJourney, que frequentemente produzem imagens híbridas com aparência de colagem. Além disso, a integração dos elementos revela transições com aspecto de pinceladas digitais, lembrando o efeito de brush painting característico desses modelos de geração de imagem.
"Apesar disso, há sinais de intervenção humana posterior, principalmente na organização tipográfica. O título está diagramado de forma clara, com alinhamento funcional e boa legibilidade — algo que foge ao padrão errático das letras geradas por IA. Do mesmo modo, a escolha de símbolos específicos, como a Catedral de Brasília, a garrafa de vinho e a taça, sugere um ajuste manual para reforçar a narrativa visual da obra", afirma o documento referente à capa de O cão vai à missa de todos os dias.
Também é possível acessar os documentos com análises e comentários dos capistas sobre os livros Translado sob céu enxuto, Desaparecer e Perpetuando a Ilha de Jeju com tangerinas, também finalistas. O coletivo identificou, a partir do vídeo divulgado por Barbosa, elementos que compunham a capa de O cão vai à missa todos os dias pertencentes ao site rawpixel, plataforma com bancos de imagens geradas por IA.

Vencedora do Prêmio Jovens Talentos 2024, a capista e ilustradora Ing Lee também apontou elementos de uma capa sua – do livro Aos pranto no mercado (Fósforo) – em outro livro do catálogo da editora. "Ao conferir o catálogo da editora Mondru, deparei-me com um outro livro (que não está entre os finalistas) cujo estilo de capa se assemelha muito com a ilustração que fiz para a capa de Aos prantos no mercado. A composição, forma e cores são muito similares. E, ao dar um zoom na imagem, fui reparando cada vez mais em erros grotescos, o que me faz questionar se uma editora que opta por publicar livros com capas de IA simplesmente não respeita seu público consumidor e entrega qualquer coisa porcamente feita. É grotesco", diz.

Ela comenta que é comum em briefings que diretores de arte e designers mostrem outras capas como referência. O problema, para ela, está na apropriação e realização de uma "cópia barata" de outra arte: "Confesso que já vi capas por aí que claramente tiveram ilustrações minhas no briefing e até aí tudo bem, contanto que não seja um plágio descarado, acho que faz parte para o ponto da carreira que me encontro hoje e me tornar de certa forma uma referência".
Muitos artistas e capistas têm falado publicamente sobre o cenário de incerteza provocado pelo uso discriminado de inteligência artificial generativa. "Não dá pra saber se seu trabalho foi literalmente usado para alimentar prompts e esperar bom senso de uma máquina", afirma.
Como investigar se imagens com suspeita de inteligência artificial
- Elementos com naturezas distintas interagindo em uma mesma imagem
- Mudanças bruscas de estilização
- Inconsistências que não batem com o grau de tecnismo apresentado
- Proporções irregulares e texturas imprecisas
- Presença de elementos de composição que descrevam prompts conhecidos
- Pesquisa do portfolio do artista ou ilustrador responsável
Ing reforça que diante da sofisticação da IA, cabe apurar questões que vão além da própria imagem, como pesquisar o portfolio do ilustrador. "Sempre fico com orelha em pé quando percebo que nos créditos de um livro não há um nome de ilustrador, no máximo o responsável pelo projeto gráfico ou designer (e já vi até mesmo publicitário responsável por capas feitas por IA). Daí quando vou investigar os respectivos portfólios desses profissionais, nada indica que ele tenha alcançado aquele estilo por conta própria", diz.
Para a capista, nas submissões de obras literárias, além das cláusulas que proíbam a candidatura de trabalhos que foram criados com IA generativa, as premiações podem exigir a assinatura de um termo anexo declarando que não foi utilizada nenhuma forma de IA na obra. "Acredito que passou da hora das premiações começarem a contratar como parte da comissão julgadora um especialista em detecção de uso de IA para as candidaturas", comenta.
Em nota ao PN, a organização nacional União Democrática dos Artistas Digitais (UNIDAD) afirma que é função da organização da premiação explicitar os critérios usados para aferir se houve uso de inteligência artificial: "No caso das capas de livros, por exemplo, que são obras artísticas visuais, poderia haver a determinação de que os participantes da premiação expusessem o processo criativo de criação da imagem, inclusive com o envio dos arquivos eletrônicos contendo o histórico das alterações".