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Brasil e Argentina: lições cruzadas para o futuro do livro
PublishNews, Talita Facchini, 07/08/2025
Entre oportunidades e desafios, o que os mercados editoriais dos dois países podem aprender um com o outro

O mercado editorial brasileiro passou por transformações significativas nos últimos anos. A falência das duas maiores redes de livrarias do país — Cultura e Saraiva — e a longa batalha pela aprovação da Lei Cortez — que limita a 10% o desconto em livros nos 12 primeiros meses após seu lançamento — são apenas dois marcos. No setor editorial argentino, também houve mudanças e reveses. Segundo relatório da Câmara Argentina do Livro (CAL), as vendas caíram 5% em 2023, na comparação com 2022, e a produção despencou mais de 20%. O fechamento de livrarias e questões como o preço do papel ocupam cada vez mais o noticiário por lá. O que um mercado pode aprender com o outro, uma vez que o objetivo é o mesmo: formar leitores, vender livros e expandir a indústria?

De acordo com Christian Rainone, diretor-geral do Grupo Guadal e presidente da Fundación El Libro, entidade argentina que agrupa instituições do setor, o custo de produção do livro no país é mais alto que no Brasil e na China. “Temos esse desafio, o da redução do preço. A Argentina está cara, no geral”, diz. E um dos fatores que mais pesam no bolso dos empresários é justamente o custo do papel — ponto sensível para os dois mercados.

Cecília Arbolave, jornalista argentina radicada no Brasil e cofundadora da editora brasileira Lote 42, concorda e ainda destaca o problema da escassez dessa matéria-prima — os argentinos são muito dependentes de importações. Some-se a isso a instabilidade da política econômica e a inflação, que, mesmo no patamar mais baixo dos últimos meses, permanece em torno de 50% (acumulada em 12 meses). “Com o dinheiro ‘queimando’, os editores precisam se proteger, reajustar preços, e manter comunicação precisa com distribuidores e livrarias”, afirma. Em suma, um cenário desafiador para planejamentos de longo prazo.

Por outro lado, a Argentina segue como referência quando o assunto são livrarias, com 3,43 estabelecimentos por 100 mil habitantes, segundo o Centro de Estudios y Políticas Públicas del Libro (CEPPL), da Universidad Nacional de San Martín (Unsam). Já no Brasil são 2.972 livrarias — 1,41 por 100 mil habitantes, de acordo com o Anuário Nacional de Livrarias (2023).

Outro motivo de admiração por parte de profissionais do mercado brasileiro é a Lei de Defesa da Atividade Livreira, em vigor desde 2001. “É, sem dúvida, uma das principais responsáveis pela saúde das livrarias argentinas”, analisa Arbolave.

A norma estabelece que editores, importadores ou representantes de livros fixem um preço único de venda ao público para cada título, válido em todo o território nacional. Assim como a Lei Cortez no Brasil, que segue travada no Senado Federal, tem como objetivos proteger a diversidade editorial e evitar a concorrência desleal — livreiros argumentam que não conseguem praticar os preços de gigantes do varejo on-line. “Nós, editores formais, respeitamos muito a Lei. Ela gera um círculo virtuoso que, apesar das intempéries econômicas na Argentina, mantém um grande contingente de leitores e alimenta um interesse internacional pela produção editorial argentina contemporânea”, diz Rainone.

Alejandro Dujovne, sociólogo especialista em políticas do livro e coordenador do CEPPL, alerta, porém, para a concentração de livrarias em grandes centros urbanos, como Buenos Aires, Córdoba e Rosário. “No interior, há um déficit enorme”, ressalta.

Mais um ponto preocupante, tema do noticiário argentino recente, é o fechamento de livrarias. Arbolave, no entanto, pondera que os números ainda parecem estar dentro do movimento rotineiro de abertura e fechamento de negócios. “A situação econômica é um desafio para qualquer empreendimento. Trata-se de um país com instabilidade institucional aguda há décadas.”

Informação é preciso

Se o mercado editorial argentino conta, por exemplo, com uma lei vista por muitos como positiva para o setor, por outro lado sofre com a falta de dados gerais consolidados. “Os países que crescem nessas e em outras áreas são aqueles que compartilham suas informações, com números concretos e bons relatórios”, enfatiza Rainone.

No Brasil, por sua vez, há uma série de estudos organizados pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL), em parceria com a Nielsen BookData, como as Pesquisas de Produção e Vendas, o Painel do Varejo de Livros, e a Retratos da Leitura no Brasil (esta, do Instituto Pró-Livro). Na Argentina, a Nielsen ainda estuda uma aproximação com o setor. Segundo Rainone, as informações estão espalhadas e são insuficientes, opinião compartilhada por Dujovne. “Essa falta de dados completos sobre o mercado dificulta enormemente qualquer tipo de política pública eficiente. Não é possível criar soluções se não sabemos exatamente onde estamos, quais são as lacunas e as oportunidades. O Brasil tem uma vantagem nesse aspecto”, diz o sociólogo.

Ler é preciso

Em novembro de 2024, a Retratos da Leitura no Brasil mostrou que, pela primeira vez, o número de não leitores no país havia superado o de leitores — 53% da população brasileira não leu sequer parte de um livro, físico ou digital, nos três meses anteriores à pesquisa. Mais: a média de livros lidos por ano passou de 4,95 títulos para 3,96, a mais baixa da série histórica. Já no país vizinho, 51% da população leu pelo menos um livro, impresso ou digital, ao longo de um ano, de acordo com a Pesquisa Nacional de Consumo Cultural 2022, produzida pelo Sinca (Sistema de Informação Cultural), do Ministério da Cultura da Argentina. Contudo, em razão de eventuais imprecisões, incompatibilidade de métodos e dados referentes a períodos distintos, entre outros fatores, é temerário comparar Brasil e Argentina quanto aos índices de leitura.

Dujovne chama atenção para os critérios, que variam muito de uma pesquisa para outra. “Mesmo com a falta de dados perfeitos, existem sinais positivos: a diversidade e o número de livrarias independentes no país são fortes indicadores de uma cultura leitora sólida”. O sociólogo explica que a Argentina “teve uma alfabetização massiva e igualitária no final do século XIX”, além de um sistema de bibliotecas populares espalhadas pelo território, apoiadas pelo Estado — o que, segundo ele, influencia seu momento atual. “Embora tenhamos uma tradição literária rica e diversificada, ainda enfrentamos dificuldades em termos de profissionalização e organização do mercado. Isso limita o alcance de nossas produções e impede que o setor cresça com a rapidez que o dinamismo cultural do país exige”.

Mercados complementares

Brasil e Argentina têm, afinal, muito o que aprender um com o outro. “São mercados complementares”, diz Rainone. “O brasileiro é um mercado que tem crescido muito, mas sem a cultura de leitura dos argentinos. Vejo que é um mercado que ainda não está maduro, que precisa comprar direitos para completar sua oferta e diversidade bibliográfica”, avalia.

Para Cecília Arbolave, o intercâmbio editorial entre os dois países é muito menor do que deveria ser, embora esteja em crescimento. “Nós, da Lote 42, participamos desde 2017 da FED, a Feria de Editores, e temos observado cada vez mais contatos. Mais autoras argentinas vêm sendo traduzidas no Brasil do que o inverso, mas editoras como a argentina Mandacaru nadam contra essa corrente, com um forte catálogo de livros de escritoras brasileiras, como Luiza Romão, Amara Moira e Adelaide Ivánova, entre outras.”

Ações concretas de aproximação têm sido promovidas e a ampliação delas traria ganhos para ambos os lados. Em 2024, por exemplo, a Lote 42 e o Sesc São Paulo organizaram o Circuito Livreiro, evento que discutiu a Lei de Defesa da Atividade Livreira, levando novas perspectivas à discussão do tema. Por fim, e talvez o mais importante, a Argentina promove a Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, fundamental para os negócios de inúmeras editoras brasileiras. “Para citar um exemplo rápido, foi durante nossa participação em 2014 que realizamos o primeiro contato institucional com a Biblioteca Mário de Andrade para a criação da Feira Miolo(s)”, relembra Arbolave.

*Matéria veiculada na primeira edição da Revista PublishNews (impressa), lançada em junho de 2025, com tiragem de 10 mil exemplares e distribuição gratuita, tanto física quanto digitalmente (em breve). Quer contribuir financeiramente com o canal? Clique aqui.

[07/08/2025 09:00:00]
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