Além da escrita: como fazer literatura no Brasil de forma independente?
PublishNews, Matheus Borges*, 26/10/2023
Em artigo, Matheus Borges, escritor gaúcho vencedor do Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica, fala sobre as dificuldades no mercado editorial para formar público, distribuir e divulgar sua obra enquanto escritor independente

“É um erro comum entre escritores pensar que estamos competindo entre nós mesmos. Em vez disso, é o livro, enquanto tecnologia, que concorre com o fluxo de informações das redes e do streaming. De maneira mais ou menos intensa, todos nós queremos roubar um pouquinho da sua atenção”.

Literatura no Brasil é um troço difícil. Converse um minuto com qualquer escritor e tenho certeza que essa frase vai aparecer. O que une autores de diferentes experiências é falar dos desafios enfrentados na trajetória de cada um – e, mais especificamente, de cada livro. Quem publica nas grandes editoras, quem atua no mercado independente, quem prefere editar a si mesmo, todos padecem de dificuldades semelhantes em suas diferenças e vice-versa.

Meu livro Mil placebos foi publicado em março de 2022 por uma editora pequena chamada Uboro Lopes. Já havia conversado com editoras independentes em outros momentos, porém optei pela Uboro não apenas por me identificar com sua linha editorial, mas pela estratégia de distribuição: impressão sob demanda, ao invés do método tradicional de tiragens limitadas e subsequentes reimpressões. Com isso, eu próprio poderia controlar meu estoque, sem me preocupar com a escassez de exemplares.

Tenho dedicado boa parte da minha energia ao trabalho de fazer com que o livro encontre seus leitores. Essa é parte mais difícil, afinal a literatura está hoje inserida num complexo comercial de cultura e entretenimento que os capitalistas insistem em chamar de “conteúdo”. É um erro comum entre escritores pensar que estamos competindo entre nós mesmos. Em vez disso, é o livro, enquanto tecnologia, que concorre com o fluxo de informações das redes e do streaming. De maneira mais ou menos intensa, todos nós queremos roubar um pouquinho da sua atenção.

Ainda assim, essa conjuntura também apresenta seus benefícios. Não sei como seria o processo de divulgação e vendas sem as redes sociais – o que, sim, é bastante irônico no caso de um livro tecnopessimista como Mil placebos. Não tendo distribuição regular em livrarias ou cobertura da imprensa, o escritor precisa descobrir maneiras de conseguir um pouquinho da atenção de um leitor em potencial. Em termos atuais, isso significa controlar sua presença online, encontrar novas maneiras de falar das mesmas coisas, apresentar constantemente suas palavras e ideias.

Tenho pensado muito que um primeiro livro é mais do que simplesmente um livro. É um cartão de visita. Contém um texto literário, é claro, mas também serve para apresentar a quem lê um novo conjunto de ideias, personificadas nesse autor de primeira viagem. O que o torna atrativo, afinal de contas? A exemplo do cartão de visita, o primeiro livro parece apresentar de maneira direta uma listagem de informações essenciais sobre nós mesmos.

Mais do que isso, num ambiente habitado por egos de diferentes inclinações, a postura do autor em relação ao livro parece também marcar sua trajetória. As coisas que diz, da maneira que diz, para quem diz. Tudo isso serve para aproximar o livro de alguns leitores e afastá-lo de outros.

Acho importante levar tudo isso em consideração. Descobrir esse processo alterou significativamente minha compreensão do livro e minha relação com os leitores. É preciso ser aberto, cuidadoso e paciente. É preciso se concentrar numa série de argumentos a respeito do livro e contá-la de pouco em pouco, em nossos posts, comentários e entrevistas. Tão importante quanto a qualidade da ficção que contamos em nosso livro é a ficção que contamos sobre nosso livro.


* Matheus Borges (@matheusmedeborg) nasceu em Porto Alegre, 1992. É formado no curso de realização audiovisual da Unisinos e egresso da oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil, realizada na PUC/RS. Suas histórias já foram publicadas em revistas literárias brasileiras e no exterior, bem como em coletâneas e antologias. No cinema, atuou como roteirista em "A Colmeia", longa-metragem vencedor de cinco prêmios na edição 2021 do Festival de Cinema de Gramado. Atualmente, Matheus está desenvolvendo seu projeto de mestrado no PPG Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O romance “Mil Placebos” (Uboro Lopes, 192 pág.), seu livro de estreia, foi vencedor do Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica, na categoria “Narrativa Longa - Ficção Científica” e finalista do Prêmio Mozart Pereira Soares de Literatura.

[26/10/2023 07:20:00]