Coletivos literários funcionam como ferramentas de inserção no mercado editorial
PublishNews, Beatriz Sardinha, 22/09/2023
O PublishNews entrevistou representantes dos coletivos literários Sabático, Escreviventes e Mulherio das Letras para saber mais da realidade e seu funcionamento

Escritoras Escreviventes na FLip 2022 | © Ricardo Rogers Paranhos
Escritoras Escreviventes na FLip 2022 | © Ricardo Rogers Paranhos
A existência de coletivos literários e de grupos dedicados ao estudo da literatura tem se mostrado relevante para criar um espaço propício para o desenvolvimento de novos escritores, possibilitar a preservação da memória, além de favorecer a inserção dessas pessoas no mercado editorial.

O PublishNews conversou com representantes dos coletivos literários Sabático, Escreviventes e Mulherio das Letras para saber mais da realidade e das dinâmicas de funcionamento desses espaços, assim como seus efeitos entre membros.

A maioria das pessoas que compõem os coletivos citados são mulheres. Nesse sentido, a jornalista Carolina Pessoa, colaboradora e administradora do Sabático Literário, reafirma a importância desses espaços tanto no aspecto literário, quanto no aspecto terapêutico: "As pessoas podem escrever sobre seus momentos difíceis, seus momentos de alegria. É um espaço catártico, onde você pode liberar suas emoções e transformar isso em arte. E ter o retorno das pessoas".

O Sabático Literário publica textos semanalmente em seu blog e página no Instagram. O Escreviventes realiza reuniões periódicas e oferece oficinas gratuitas para membras, além do contato online. O Mulherio das Letras promove festivais e encontros nacionais entre suas sedes para o lançamento de obras e de eventos.

Carolina Pessoa | © Arquivo pessoal
Carolina Pessoa | © Arquivo pessoal

Em uma conversa com Wilma César, psicóloga, professora e poeta, natural de Patos, sertão da Paraíba e membra do Mulherio das Letras, ela detalha mais do momento atual da literatura feminina. "Para a literatura feminina, a gente percebe um movimento pujante de se mostrar. Nós mulheres fazemos literatura e queremos estar aqui. E sabemos produzir'. Passamos muito tempo com esse 'fazer' abafado e tivemos espaços negados. Nós nos unimos para isso". A militante também participa ativamente do coletivo Papel Mulher, grupo que espalha "lambes" com poesias de mulheres pelas ruas de diversas cidades.

Ação do Papel Mulher | © vanessapessoafotografia
Ação do Papel Mulher | © vanessapessoafotografia

O espaço online se mostra também como uma ferramenta relevante para que componentes desses coletivos tenham sua obra lida. Carolina Pessoa e Carla Guerson, criadora do Escreviventes, afirma que as rápidas trocas online permitem que as autoras tenham seus textos lidos por muitas pessoas, além de terem esse contato mais direto com o leitor. "Por mais que seja ótimo publicar por uma editora. Essa ponte com o leitor é mais distante, esse contato acontece de forma mais fria. Quando você tá ali na internet, o resultado é muito rápido", complementa Carolina, que afirma também que a rápida devolutiva do leitor e a possibilidade dessas novas autoras terem seus trabalhos vistos muda a forma como elas se veem subjetivamente no texto.

O Escreviventes, criado em 2020 a partir de um pequeno grupo de mulheres que interagiam no ecossistema virtual, lançou a coletânea De corpo inteiras, na Amazon. A obra foi escrita por 7 membras do coletivo. A obra apresenta uma "coletânea de contos que apresentam as várias facetas de ser mulher (...) Abordando assuntos diversos, que vão de amizades e relações familiares a direitos reprodutivos e relacionamentos abusivos, os contos relacionam-se às diversas partes do corpo de uma mulher", de acordo com a sinopse disponibilizada pelas autoras na plataforma.

Essa descrição está diretamente relacionada com a sensação descrita por Carolina dentro de sua ocupação dentro do coletivo. Além de administrar a página, a carioca é responsável por ler e revisar alguns textos que são publicados pelo Sabático: "Eu tenho que acompanhar os textos das outras mulheres do grupo, e mergulho no universo dessas mulheres corajosas e que acreditam no potencial da literatura. E isso me edifica muito", comenta.

O sentimento de validação pintuado por Carolina reflete a relevância dos coletivos literários enquanto espaços de acolhimento para diversas mulheres e suas vivências, ainda que o acesso a muitos desses coletivos seja limitado pela necessidade de acesso a equipamentos como computadores e internet. O Escreviventes também realizou um censo interno de suas membras e relatou que 64% da composição do coletivo é de mulheres brancas. E que 52% das membras são da região sudeste. Participaram da pesquisa do coletivo 565 respostas.

Dados Escreviventes © Carla Guerson
Dados Escreviventes © Carla Guerson

Inserção no mercado editorial

Espaços como os coletivos também têm se mostrado favoráveis para o lançamento de autoras emergentes dentro do mercado editorial, principalmente em editoras de pequeno e médio porte. Em seu censo, o Escreviventes levantou que cerca de metade das participantes do grupo já tem alguma publicação por editora.

Além disso, Carla Guerson afirma também que os grupos emprestam relevância no envio de textos e trabalhos para revistas literárias, e na inscrição para participar de grandes eventos como a Flip, por exemplo. "Como coletivo, a gente se inscreve no setor de autoras independentes. E há um custo. Quando nos dividimos, conseguimos pagar a inscrição e participar do evento e num evento de grande porte, podemos divulgar e vender nossos livros", afirma a advogada e escritora. Em 2022, o Escreviventes levou 20 autoras para a Flip e, neste ano, o coletivo irá com 40 integrantes para a Festa.

Escritoras Escreviventes na FLip 2022 | © Ricardo Rogers Paranhos
Escritoras Escreviventes na FLip 2022 | © Ricardo Rogers Paranhos
Carolina vê como "fundamental" na literatura atual a maneira independente de produção dos coletivos: "Não é fácil entrar numa editora, a gente trabalha com editoras de pequeno e médio porte, que têm uma responsabilidade nas vendas. É um modelo que onera muito". E afirma que as publicações dos grupos são uma forma de mostrar que eles não atuam conforme a lógica imposta pelo mercado.

A militante – ativa nos Coletivos Apoena, Papel Mulher, Escreviventes, Mulherio das Letras Zila Mamede (RN), Mulherio das Letras João Pessoa (PB) e Clube do Conto da Paraíba – complementa que atualmente enxerga que o desafio esteja em ultrapassar as fronteiras dos nichos desses coletivos. "Eu vendo e divulgo meu livro pra quem é de coletivo e essas pessoas divulgam e vendem seus livros para as mesmas pessoas. Ficamos apenas nos retroalimentando". Ao abordar o assunto, ela cita o exemplo da autora Maria Valéria Rezende, autora paraibana vencedora de cinco prêmios Jabuti. "Em João Pessoa, tem grandes livrarias em que você não encontra a obra dela", conclui.

Lista de coletivos e grupos de estudos literários:

  • Papel Mulher
  • Mulherio das Letras
  • Escreviventes
  • Sabático Literário
  • Clube da Escrita para Mulheres
  • Viradão Suburbano
  • Mulheres que leem mulheres

*Estagiária sob a supervisão de Guilherme Sobota

[22/09/2023 10:00:00]