Em 'O garoto do meu pai', Emmanuelle Lambert presta homenagem não só a um ente querido, mas à própria arte de narrar
Ao narrar os últimos cinco dias de seu pai em
O garoto do meu pai (Autêntica Contemporânea, 136 pp, R$ 54,90 – Trad.: Adriana Lisboa), levado por um câncer, a autora Emmanuelle Lambert justapõe memórias íntimas e coletivas, que tanto problematizam quanto conferem sentido umas às outras. A aventura da vida de uma família em seu contexto social e político e as anedotas mais íntimas, dolorosas e afetuosamente irônicas se conjugam para a composição de um texto quase inclassificável, belo, comovente, cheio de verve. Lambert escolhe a terceira margem, da qual não estão ausentes o profundo sentimento (do contrário, por que narrar esta história?) nem a quase banal atestação de que, no fim das contas, o chavão nunca deixou de estar correto: acompanhar a morte pode ser, também, nos casos mais afortunados, celebrar quem se vai e quem, ao permanecer, ao ultrapassar seus mortos no tempo, de certo modo lhes confere sobrevida. Desse modo, a autora – ela era ‘o garoto do seu pai’, que só teve filhas – presta homenagem não só a um ente querido, mas à própria arte de narrar: outra grande aventura, da ordem da morte, da ordem da vida.