Um lugar para encontros presenciais, de que estávamos ávidos depois de dois anos de confinamento e aterrorizados com a covid. O Sebo Pura Poesia é uma espécie de portal para a literatura, com a bela companhia de uma deliciosa gastronomia.
Conheci o Sebo Pura Poesia por acaso.
Estava numa bancada com os meus livros na Feira do Livro no Pacaembu, falando sobre a minha amizade com o poeta Manoel de Barros, contando alguns episódios para o parceiro de estande, quando o Alexandre, dono do sebo, e a Gisele, sua esposa, com ouvidos ligados na minha conversa enquanto folheava os meus livros, me interrompeu, com perplexidade nos olhos e perguntou: “Você conheceu mesmo o Manoel de Barros?”. Eles vibraram com a minha resposta afirmativa e ainda contei outro episódio com o poeta quando consegui trazê-lo pela primeira vez para um evento público em São Paulo, no Masp, para participar do evento literário “Artes e ofícios da poesia”, organizado pelo Augusto Massi. Sim! Consegui arrastar Manoel de Barros, tido como supertímido e recluso, para uma aglomeração de poetas e centenas de leitores de poesia. Claro, ele colocou regras, mas deu tudo certo.
Foi assim que fiquei sabendo do Sebo Pura Poesia e fui lá conhecer. Ipiranga fica perto do bairro onde moro, aí, nunca mais saí de lá. Quando posso, convido amigos para conhecer, se encantar com o lugar.
Sim, “encantamento” é a palavra que define o Sebo Pura Poesia. Descoberto por influenciadores, que vão lá fazer vídeos maravilhosos que seduzem muitos novos visitantes.
As estantes alcançam o teto, com prateleiras abarrotadas de livros, ali, em pé, “desarrumados” entre cartões e papéis afixados nas prateleiras com frases poéticas e aforismos literários.
Como no conto “O livro de areia”, de Borges, o Sebo Pura Poesia é pequeno, mas parece não ter fim, e nunca é possível voltar para o mesmo livro. Logo que se entra, se vê uma placa alertando: “Aqui você não encontra o livro. O livro é que te encontra.”
Ainda tem, por conta da tradição familiar dos donos, um sabor português, que parece seguir ao pé da letra o pensamento do imenso poeta Fernado Pessoa: “Quem não vê bem uma palavra, não vê bem uma alma”.
E está aí a diferença do Sebo Pura Poesia com as livrarias de rua que surgiram na pandemia e depois dela: o Pura Poesia vê bem a alma das pessoas que vão lá, em especial, dos escritores – nos sentimos em casa, acolhidos, já na primeira visita.
Além disso, tem outra diferença enorme dessas livrarias de rua que surgiram com o Sebo Pura Poesia: o público frequentador.
Normalmente, quando fazemos um lançamento numa livraria tradicional, é o autor que tem que levar os convidados/compradores, pois a livraria raramente tem público seu circulando no evento, mesmo com a divulgação.
No Sebo Pura Poesia, a experiência é outra. Nunca precisei depender de convidados meus para vender e autografar os meus livros quando vou lá uma vez por mês expor meus livros numa mesa com café entre as pessoas que estão ali, circulando ao acaso: elas se aproximam, conversam, folheiam, compram, ganham autógrafo.
O Sebo Pura Poesia traz uma nova maneira de tratar o livro, o leitor e o escritor. Não acredito que seja um modelo que possa ser copiado, pois é autoral, tem a paixão e a felicidade dos sonhos de seus donos, Alexandre e Gisele.
Dentro do Sebo Pura Poesia, enquanto tomo um café, folheio um livro, encontro frases, versos e fotos espalhados pelas estantes, ou converso com amigos, sinto duas coisas que escritores que admiro já sentiram em lugares parecidos.
Um deles, Borges. É possível sentir no Sebo Pura Poesia “a gravitação amistosa do livro”. E então pensar que o livro é uma das possibilidades de felicidade concedida ao ser humano.
Outra, de Kundera: estar ali, no Sebo Pura Poesia, “é sinal de reconhecimento de uma fraternidade secreta”.
Vão lá conhecer.
*Alonso Alvarez nasceu em São Paulo, capital. É escritor, editor e assessor para o livro e a leitura.
Sebo Pura Poesia
Rua Costa Aguiar, 1.112.
Muito próximo ao Sesc e ao Museu do Ipiranga, em São Paulo.
De quarta a domingo, das 11h às 19h.
Instagram:@sebopurapoesia
