Três Perguntas do PN para Evandro Affonso Ferreira, autor do novo 'Perdeu vontade de espiar cotidianos'
PublishNews, Guilherme Sobota, 18/07/2023
Embora diga ao PublishNews que está cada dia mais recluso, escritor participou recentemente do Fliaraxá​, em Minas Gerais, e está lançando o novo romance, para o qual demonstra certa disposição de divulgação

Evandro Affonso Ferreira é personagem da literatura brasileira das últimas décadas, irreverente e excelente entrevistado. Mesmo dizendo agora ao PublishNews que está cada dia mais recluso, ele participou recentemente do Fliaraxá, em Minas Gerais, e está lançando o novo romance Perdeu vontade de espiar cotidianos (Nós), para o qual demonstra certa disposição de divulgação, mesmo que tenha brincado com a sua editora, Simone Paulino: “você vai me editar mas não vai vender nada, hein?”.

"Este romance é a digamos Biografia não autorizada de Minha Ontológica Personagem", explica o próprio autor, elaborando uma sinopse. "Criatura que se acostumou com as repetições rítmicas dos próprios tatibitates, rompendo coerência sem provocar dilaceramentos com as próprias convicções. Vive imaginando possibilidade de colecionar pressupostos e romper amarras dos infortúnios e adestrar invisíveis e frustrar sobressaltos. Dizem que agora, quase nonagenária, vive querendo traçar as fronteiras entre o provável e o improvável", comenta o escritor, em texto enviado ao PN por aplicativo de mensagens. Evandro gentilmente respondeu às três perguntas abaixo:

PublishNews – Evandro, quem você imagina que seja o leitor de 'Perdeu vontade de espiar cotidianos'? Ou isso nunca é uma preocupação para você?

Nunca tive essa preocupação. Eu sempre privilegiei a forma, muito pouco o conteúdo. Eu lido com as palavras, tenho um dicionário próprio com três mil palavras sonoras. Meus primeiros livros ninguém entendia os títulos. Depois eu mudei. Tenho duas fases na minha vida literária: no começo, me preocupava com a vida das palavras, depois passei a me preocupar com a morte dos seres humanos. Aí eu alonguei os títulos. Então, não tenho essa preocupação. Tenho poucos leitores… a literatura é um pouco chata (risos). Eu nunca sei quem são meus leitores. Costumo brincar com a Simone Paulino (editora da Nós): “você vai me editar mas não vai vender nada, hein?” (risos).

– No 'Rei revés' (romance anterior, lançado pela Record), por exemplo, o tema do material literário tinha certa aderência na realidade imediata do país. Aqui, a Ontológica Personagem representa um mergulho radical na forma. Para você, as duas coisas (tema e forma na literatura) estão próximas, distantes, são apenas uma? Como elas conversam no seu processo de escrita?

Rei revés nasceu porque eu estava vendo um noticiário na TV e aparece que morreu o netinho de Luiz Inácio Lula da Silva. Imagina, eu tenho uma netinha também, fiquei perplexo, isso é uma tragédia grega. Imagina eu preso e minha neta morre e eu não posso nem participar do velório. Uma semana depois resolvi escrever um livro que era o Lula mas não era o Lula, aí fiquei nessa linha tênue. Na terceira página, decidi pesquisar o que saía da cidade de Garanhuns (PE), e veio para mim de graça a bandeira da cidade, que tem três pássaros negros voando para o alto. Entendi que era esse o mote do livro. Será que esses três pássaros podem sair da bandeira, para libertar o cidadão máximo de sua cidadela? E isso não seria inconstitucional? Aí vai. (...) Mas são coisas sutis. Nem o Lula, se ler o livro, vai saber que é ele (risos). Eu privilegio a forma, não o conteúdo. É a palavra. Já aconteceu muitas vezes de eu colocar alguém conhecido no livro e a pessoa ler e não perceber. São jogos de palavras, aliterações, sonoridades, etc. Todos os meus livros são parecidos, eu posso estar falando de quem quer que seja. Conforme percebi que era uma tragédia grega, passei a pedir ajuda para Sófocles, Eurípides, para o cego Tirésias. Mas não é nada escancarado. É o que acontece sempre com a minha literatura. Nesse novo livro, é uma nonagenária, que tem suas angústias e inquietudes, e vai criando coisas no laboratório imaginário dela.

– Você tem participado de eventos literários, como recentemente o Fliaraxá, em Minas Gerais. Qual tem sido sua avaliação desses eventos após o período de isolamento da pandemia?

Participo pouco de feiras, mas fui agora na Fliaraxá. Não tenho um feedback específico, mas o Fliaraxá é muito bem organizado, muita gente participando. Acho que voltou tudo ao normal. Eu fiz um monólogo literário de 35 minutos, fico no meu canto, autografo uma meia dúzia de livros. Como já disse, tenho poucos leitores. Eu sou uma pessoa meio arredia, ainda mais a essa altura da minha vida. Fico em casa, vou no café na frente, lendo e escrevendo, batendo papo com os amigos… Minha vida é ler e escrever. Agora que eu editei um novo livro com a Simone Paulino, minha querida amiga, aí sim vou entrar na mídia. Mas estou afastado há uns quatro, cinco anos. Tenho publicado mais uns livrinhos de brincadeira. Quando se chega aos 80 anos, você começa a olhar para a vida de forma diferente. Quando o sucesso flerta comigo, eu mudo de calçada (risos).

[18/07/2023 09:30:00]