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Diário de Frankfurt. Dia 4: da assinatura dos contratos aos booktokers
PublishNews, Leonardo Garzaro*, 25/10/2022
Em seu texto final deste diário, Leo conta como foi seu último dia em Frankfurt e o que viu pela feira que contou com ações do TikTok

No meu último dia em Frankfurt, era hora de fechar alguns negócios. A meta de comer e beber gratuitamente no stand alheio estava batida, bem como o plano de reencontrar os amigos, iniciar o contato com os que publicam brasileiros, tirar umas fotos legais para as redes sociais da editora. No Brasil, os autores da Rua do Sabão aguardavam por notícias. Queria assinar alguns pré-contratos, que não tem valor legal, mas são meio caminho andado.

Comecei o dia me encontrando com a Ayse Ozden, editora do Reino Unido que já havia comprado meu primeiro livro, e que gosta de infantis e infantojuvenis. Fechamos um acordo para mais dois títulos, a serem publicados tão logo ela resolva uns problemas de distribuição pós-Brexit. Questões inglesas. Em seguida, encontrei pela primeira vez o Akif Pamuk, editor de Istambul com quem troco e-mails há seis meses. Mais dois acordos fechados.

Escrevendo desta forma pode parecer fácil, então preciso explicar melhor. Semanalmente, pesquiso editoras independentes, que tenham um catálogo enxuto. Negociar com os grandes grupos é muito complicado, porque em geral os interlocutores não têm poder de decisão. Depois, é preciso ter o livro que se adeque ao perfil da editora: não adianta oferecer alta literatura para quem publica títulos infantis. E, por fim, é necessário desenvolver uma relação de reciprocidade e confiança. A feira, o encontro presencial, é o momento de apertar as mãos e fechar o negócio.

A reunião seguinte era com uma editora da Eslovênia. Desta vez, são eles que estão há alguns meses tentando me vender alguns livros. Tomando café, eles retomaram o tema das histórias do detetive Milō, uma série com 11 títulos que é best-seller por lá. Eu disse que topo fechar o negócio, desde que eles publiquem pelo menos três autores brasileiros. Se não, nada feito. Às vezes, é preciso negociar duramente. Ficaram de pensar e vamos prosseguir por e-mail.

Era hora do almoço e encontrei o Antonio Hermida, da Bookwire. Falamos rapidamente sobre as muitas opções de almoço nos foodtrucks, e do lendário apetite do Antonio. Quem o conhece, sabe. Também conversamos sobre o TikTok, que patrocina a feira de Frankfurt com uma tenda central, a chamada “experiência imersiva”, e um palco bem posicionado com extensa programação. É interessante como o TikTok tenta se posicionar no mercado livreiro, numa estratégia diferente das outras redes sociais. Após comer um falafel e me despedir do Antonio, fui lá conferir.

No palco, a programação era toda em alemão. Passei pela curiosa experiência de ouvir dois apresentadores animados, sabe-se Deus dizendo o quê, enquanto uma juventude vibrava, ria, ovacionava. Parecia a abertura de um show, porém dedicado à literatura. Muito legal! Numa mesa próxima, o autor Jay Kristoff, que escreve uma longa saga sobre vampiros, atendia uma multidão de fãs, autografando sem parar. A novidade era ele estar vestindo uma camiseta da Red Bull. É a primeira vez que vejo um autor patrocinado por uma marca internacional, como se fosse um piloto de Fórmula 1.

Era hora de conhecer a tenda imersiva, posta no centro da feira. A entrada era uma espiral longa, toda branca. Conforme avancei, o som e as luzes coloridas me encontraram, reverberando nas paredes laterais. Era um show, luzes, microfones, mesa de som. A plateia fotografando, postando, compartilhando. No palco, declamava-se no idioma original a poesia de Serhiy Zhadan, poeta ucraniano de quem eu nunca tinha ouvido falar, enquanto os telões exibiam “#booktok”. Se a moda entre os jovens de São Paulo de 1822 era entrar no cemitério e declamar Lorde Byron, e dos jovens de 1922 recortar o jornal para aleatoriamente compor poesia dadaísta, quem sabe não seja justamente sobre hashtags e poesia ucraniana sob efeitos sonoros o tema dos estudos literários do futuro?! Entre os carros voadores e a colônia marciana do Elon Musk, quem sabe...

Sai da tenda atordoado por tais imagens, pensativo sobre os caminhos da arte e do mercado. Aproveitei para, no setor dedicado às plataformas, entender melhor a evolução do audiolivro. Visitei ainda as editoras que ofereciam títulos interativos para crianças, os personagens se movimentando na tela quando filmados com o celular. E descobri como funcionavam os chamados livros jogos, pelos quais o Carlo Carrenho havia se interessado.

Foi então que, passando pela parte de trás de uma estrutura, para escapar de uma multidão e sair do pavilhão 3, vi uma moça sentada sozinha, lendo um livro de mais de 300 páginas. Passei quatro dias na feira envolvido em contatos e contratos, analisando números de vendas, descobrindo novas tecnologias, escrevendo este diário, fotografando e filmando para as redes sociais da editora Rua do Sabão, mas, no fim, é sobre isso: uma pessoa lendo um livro. Assim foram boa parte dos meus dias, desde que fui alfabetizado. Assim são meus momentos de paz.

Nunca saberei o nome desta leitora, mas com a imagem dela quero terminar este diário. Foi a única pessoa que vi lendo nos quatro dias de feira. Só me resta torcer para que não fosse a biografia de algum tiktoker de 16 anos...

Jay Kristoff
Jay Kristoff



* Leonardo Garzaro é jornalista, escritor e editor da Rua do Sabão. À parte isso, tem em si todos os sonhos do mundo.

[25/10/2022 08:00:00]
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