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Os reencontros de Beatriz Bracher com o romance e com o Rio de Janeiro

Em ‘Anatomia do paraíso’, autora reflete sobre a relação entre homem e mulher

A escritora Beatriz Bracher passou três temporadas no Rio enquanto escrevia o seu quarto romance
Foto: Leo Martins
A escritora Beatriz Bracher passou três temporadas no Rio enquanto escrevia o seu quarto romance Foto: Leo Martins

RIO - Beatriz Bracher queria escrever um romance sobre a relação entre o homem e a mulher. Queria, mas não sabia. O ano era 2009 e ela tinha começado um conto para o livro “Meu amor”, que seria lançado naquele ano, cujo protagonista era um jovem estudante de Literatura. Ao ver que a história se adensava em direção a um romance, deixou o texto de lado. Na mesma época em que voltou ao esboço, tinha começado a ler o poema “Paraíso perdido”, do inglês John Milton. Publicada em 1667, a obra reconstrói a narrativa cristã da expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden.

Foi dessa coincidência que nasceu o recém-lançado “Anatomia do paraíso” (Editora 34). Félix, o estudante de Literatura, trabalha numa dissertação sobre o poema de Milton. Sua vizinha no prédio de conjugados em Copacabana, Vanda, ganha a vida como auxiliar de autópsias em um necrotério na Baixada e dando aulas de ginástica num hotel da Zona Sul, enquanto estuda para o vestibular de Medicina e cria a irmã mais nova, Maria Joana. As vidas e as relações dos dois protagonistas conduzem a narrativa em meio a reflexões sobre o desejo, a inocência, a mulher e o paraíso perdido de Milton.

— Queria que o estudante misturasse o poema com a vida, não conseguisse sair dele — diz Beatriz. — O fato do Félix estudar o “Paraíso perdido” fez toda a diferença. Aí eu que eu entendi que a questão que queria tratar era o homem e a mulher. No começo, me pareceu que a escolha de Milton tinha sido por acaso.

Em “Anatomia do paraíso”, o leitor acompanha o protagonista na sua leitura do texto do poeta inglês. A narrativa é intercalada por trechos extensos do poema. Satanás, Deus, Adão e Eva se juntam a Félix, Vanda e Maria Joana como partes complementares de uma mesma história. A escritora destaca que o mito cristão forja o próprio mundo em que vivemos.

— A questão da construção dos gêneros é muito mais profunda do que simplesmente o homem oprime a mulher e ponto. O homem é oprimido pela sua opressão também. Ele é tão pouco dono de si como a mulher. O fato da nossa história ter colocado ele nessa posição de subjugar a mulher não deu ao homem liberdade. Isso tudo está no Milton de certa maneira. Não se trata de atualizar, está lá.

EM COPACABANA

O novo livro marca dois reencontros de Beatriz: com o romance e com o Rio — a paulistana, que vive em São Paulo, morou tem terras cariocas de 1983 e 1995 e cursou Letras na PUC-Rio. Ela começou a escrever a obra em 2009, mas só colocou o ponto final em 2014. Nesse meio tempo, fez roteiros para cinema e lançou o livro de contos “Garimpo”, de 2013, premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). A escritora atribui essa demora a algo que nunca ocorrera nos romances anteriores: ela sabia de antemão como a história de Vanda e Félix iria terminar. Para organizar as ideias e chegar até o fim já conhecido, desenhou tabelas e criou até as genealogias familiares dos personagens.

Essa foi sua principal atividade nas três semanas que passou, em maio de 2009, no apartamento alugado no mesmo prédio de conjugados onde se passa a história. No ano seguinte, ficou outra temporada em Copacabana enquanto trabalhava no roteiro do filme “O abismo prateado”, de Karim Aiñouz. Em 2014, voltou ao conjugado e acabou “Anatomia do paraíso”.

— Minha relação com a cidade sempre foi um pouco de confronto. Copacabana sempre me incomodou e me atraiu ao mesmo tempo. Quando escolhi fazer o livro lá, queria um lugar muito estrangeiro para mim. Mas, agora, fiquei fã do bairro.