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Salão do Livro de Paris homenageia Brasil, mas crise ameaça divulgação da literatura nacional no exterior

Editores e agentes estão apreensivos com programa de bolsas de tradução da Biblioteca Nacional

Livros brasileiros em uma livraria francesa
Foto: Fernando Eichenberg
Livros brasileiros em uma livraria francesa Foto: Fernando Eichenberg

RIO - De olho nas grandes feiras, o Brasil se preparou para internacionalizar sua literatura. Com o Programa de Apoio à Tradução reformulado e reforçado por bolsas generosas da Biblioteca Nacional, foi homenageado na Feira de Frankfurt em 2013, maior salão de negócios do mercado do livro, e repetiu a dose na Feira de Bolonha no ano seguinte. Agora, às vésperas do Salão do Livro de Paris, que acontece de 20 a 23 de março, e no qual terá outra vez lugar de destaque com uma delegação de 43 escritores, o desafio é continuar o trabalho de divulgação em um cenário de crise econômica. Dois anos depois da opulência de Frankfurt, a literatura nacional chega a mais um evento com a certeza de resultados sólidos, mas em meio a dúvidas sobre o futuro. Editores, agentes e tradutores temem que uma provável diminuição do orçamento do Ministério da Cultura tenha impacto no incentivo à tradução.

— Em Frankfurt, falamos só de literatura e mostramos nossos escritores; em Paris, corremos o risco de nos perguntarem apenas sobre a crise — afirma a agente Lucia Riff, que representa autores no mercado brasileiro e internacional. — Temos razões para nos preocupar. Os contratos com editoras estrangeiras são firmados na dependência da bolsa. Sem ela, a literatura brasileira não viaja.

A agente, que representa Marina Colasanti e Sergio Rodrigues, entre outros autores que estarão na delegação brasileira em Paris, já nota os efeitos da crise, com cortes nas bolsas de tradução e no apoio a viagens.

— Nos prometeram um projeto a longo prazo, que iria pelo menos até 2020. É essencial que ele seja mantido.

Os agentes, tradutores e editores ouvidos pelo GLOBO são unânimes: desde que passou a receber mais recursos orçamentários, em 2011, o programa de bolsas de tradução (criado em 1991) foi responsável por uma virada inédita na projeção da nossa literatura no exterior. Os números comprovam. Em apenas três anos, até junho de 2014, o projeto ajudou a publicar 456 livros de autores nacionais em cerca de 30 países — mais do que o dobro que todos os trabalhos apoiados nos 20 anos anteriores (226, entre 1991 e 2010).

NOVA REALIDADE PEDE ADAPTAÇÃO

Por isso, a curva descendente dos incentivos para a tradução tem mexido com os nervos do mercado editorial. Só entre 2013 para 2014, o total de bolsas foi reduzido de 261 para 204. O número das bolsas de apoio à tradução e publicação caiu de 209 para 169 e o das dedicadas ao intercâmbio de autores brasileiros, de 52 para 29. Mesmo sem previsão de orçamento do MinC para 2015, o temor, entre agentes e editoras, é que a situação piore. A Biblioteca Nacional, entretanto, afirma que a tradução continua sendo prioridade. A estimativa é contemplar um total de 205 bolsas.

— Este ano teremos reduções em função do cenário econômico, mas continuaremos apoiando a tradução — diz Moema Salgado, coordenadora do Centro Internacional do Livro da BN. — Em termos de bolsas, tentaremos manter um número muito próximo do valor total do recurso orçamentário. Talvez haja uma redução, mas temos que nos adaptar à nova realidade, assim como as editoras.

Luciana Villas-Boas, agente da Villas-Boas & Moss, que representa o autor Edney Silvestre, presença confirmada no Salão, acredita que o programa já “tropeçava” há mais tempo. Para ela, a imagem nacional, tão celebrada na Feira de Frankfurt de 2013, “começou a ruir junto ou até antes do programa de bolsas”.

— Em 2011 e 2012, foram absolutamente excepcionais os números das vendas de direitos de tradução da literatura brasileira. Houve um conjunto de fatores favoráveis: a imagem do Brasil lá fora, que se revelou falsa, a expectativa da Copa do Mundo projetando o país bom de bola, um fiasco ao final, mais a política ativa de bolsas para traduções, que ficou mais travada em 2014. Começamos a sentir demora nos pagamentos, toda a operação mais amarrada.

Para a agente alemã Nicole Witt, porém, a diminuição na procura por autores brasileiros era previsível, já que o impacto de Frankfurt é muito mais forte que o de qualquer outra feira de livro.

— Já sabíamos que depois de 2013 haveria uma diminuição — conta ela. — Ao mesmo tempo, estamos trabalhando para garantir um efeito duradouro, e acho que estamos conseguindo, só que em um nível bem mais modesto comparado com o de 2013.

No mercado francês, que se prepara para lançar uma série de autores brasileiros para o Salão de Paris, muitas editoras continuam dependentes dos incentivos do governo do Brasil.

— Nossa editora prioriza a divulgação de autores brasileiros. Se as bolsas diminuírem, nossa estrutura será penalizada diretamente — prevê Luana Azzolin, responsável editorial da Tupi or not Tupi, que publicou na França o romance “Suíte dama da noite”, de Manoela Sawitzki, e lançará  “O cheiro do ralo”, de Lourenço Mutarelli, no Salão em Paris. — Nesse caso, teríamos que nos voltar para a literatura francesa.

Preferindo não se identificar, tradutores franceses confirmam que desde 2014 ficou mais difícil aprovar projetos. A editora Chandeigne, que comprou os direitos para traduzir dois livros de Guimarães Rosa, também teme que o cenário atual atrapalhe antigos projetos.

— Levamos mais de um ano para negociar com os herdeiros e por isso só fizemos o pedido de bolsa agora — explica a editora Anne Lima. — Como os incentivos diminuíram, fico preocupada, já que é um autor cuja tradução é cara.

Outras editoras reclamam da falta de compromisso. A Métailié se candidatou a três bolsas oferecidas para publicar autores presentes no Salão (Adriana Lisboa, Bernardo Carvalho e Luiz Ruffato). Mas um adiamento da Comissão Julgadora obrigou a editora a lançar os livros por conta própria — de outra forma, não ficariam prontos a tempo para o evento.

— A ajuda do governo brasileiro existe, mas ela é imprevisível e não dá conta das realidades profissionais — lamenta a editora Anne Marie Métailié.

A COMITIVA DE AUTORES BRASILEIROS NO SALÃO DO LIVRO DE PARIS:

Ricardo Aleixo

Eyr Augusto

Leonardo Boff

Bosco Brasil

Ronaldo Correia de Brito

João Carrascoza

Bernardo Carvalho

Rodrigo Ciríaco

Paulo Coelho

Marina Colasanti

Conceição Evaristo

Ferréz

Marcelino Freire

Daniel Galera

Milton Hatoum

Ângela Lago

Michel Laub

Tatiana Salem Levy

Paulo Lins

Adriana Lisboa

S. Lobo

Adriana Lunardi

Ana Maria Machado

Ana Paula Maia

Lu Menezes

Betty Milan

Betty Mindlin

Ana Miranda

Fábio Moon

Fernando Morais

Daniel Munduruku

Adauto Novaes

Nélida Piñon

Marcello Quintanilha

Sérgio Rodrigues

Sérgio Roveri

Luiz Ruffato

Carola Saavedra

Affonso Romano de Sant'Anna

Edney Silvestre

Cristovão Tezza

Antônio Torres

Fernanda Torres

Paloma Vidal