Cultura

O que marcou, positiva e negativamente, a gestão de Marta Suplicy à frente do MinC

Depois de dois anos na pasta, ministra enviou carta de demissão para presidente Dilma Rousseff nesta terça-feira

Marta Suplicy voltará ao Senado e, enquanto Dilma não escolhe um novo ministro, será substituída temporariamente no MinC pela secretária executiva Ana Cristina Wanzeler
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Ailton de Freitas/08-11-2012
Marta Suplicy voltará ao Senado e, enquanto Dilma não escolhe um novo ministro, será substituída temporariamente no MinC pela secretária executiva Ana Cristina Wanzeler Foto: / Ailton de Freitas/08-11-2012

RIO — Depois de pouco mais de dois anos à frente do Ministério da Cultura (MinC), a ministra Marta Suplicy (PT-SP) anunciou nesta terça-feira sua demissão do cargo. Ela já tinha comunicado na semana passada que não ficaria no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, mas o momento do anúncio oficial foi uma surpresa até mesmo dentro do MinC, já que Dilma está na Austrália, onde participa da reunião da cúpula do G-20.

Agora, até que se anuncie um substituto, a pasta ficará interinamente a cargo da secretária-executiva do ministério, Ana Cristina Wanzeler. Marta voltará ao Senado, deixando um MinC amparado por três pilares: a aprovação do vale-cultura no Congresso, o lançamento de editais de políticas afirmativas e a internacionalização da cultura brasileira.

A gestão de Marta no MinC, contudo, também será lembrada por uma longa greve dos servidores da Cultura na véspera da Copa do Mundo, pelo esvaziamento do orçamento da pasta e por atrasos e denúncias na gestão dos Centros de Artes e Esportes Unificados (CEUs).

Marta assumiu o MinC em setembro de 2012, substituindo Ana de Hollanda, a primeira ministra do governo Dilma Rousseff. Além de pouco diálogo com o Congresso, Ana havia sido extremamente criticada por movimentos culturais após ter indicado que faria mudanças na nova Lei do Direito Autoral, alvo de discussões e trabalho desde o governo Lula. O estopim para a queda de Ana, contudo, foi uma carta enviada para o Ministério do Planejamento, em que ela criticava o orçamento da pasta e apontava que “essa realidade do MinC e de suas entidades vinculadas (...) tem gerado danosas consequências ao governo e à sociedade”.

A carta de Ana poderia servir de aviso a Marta. No governo Dilma, o orçamento da Cultura representou 0,13% do orçamento total da União, contra uma média de 0,8% no governo Lula.

— A Cultura, para Dilma, nunca foi estratégica — diz Geo Britto, coordenador político-artístico do Centro de Teatro do Oprimido. — Então, eu vi muito pouca coisa na gestão da Marta. Acho que praticamente não houve alteração. A grande esperança que tínhamos era na articulação política, mas fora a aprovação do vale-cultura e da Lei Cultura Viva, não houve tantas mudanças. Os pontos de cultura, por exemplo, continuaram não sendo prioridade.

CONTRATEMPOS E REALIZAÇÕES

Em sua carta de demissão, enviada ontem para Dilma, Marta lembrou de alguns projetos que foram aprovados em seus dois anos de MinC, como o Sistema Nacional de Cultura, um mecanismo de gestão e promoção de políticas públicas em conjunto entre União, estados e municípios; o vale-cultura, um benefício de R$ 50 mensais oferecido por empresas a seus funcionários em troca de isenção fiscal; a Lei Cultura Viva, que transformou os pontos de cultura em política de estado; e uma lei que institui novas regras e uma fiscalização para o órgão de gestão coletiva de direitos autorais na música, o Ecad.

— A Marta teve bons resultados práticos. Ela conseguiu realizar algumas coisas que foram plantadas na época dos ministérios do Gilberto Gil (2003 a 2008) e do Juca Ferreira (2008 a 2010), como o vale-cultura e as novas regras para a gestão coletiva de direitos autorais. Foram conquistas importantes do mandato dela — diz o compositor Leoni, membro do Grupo de Ação Parlamentar Pró Música (GAP). — Em relação a outros aspectos que ficaram desfavorecidos na gestão da Ana de Hollanda, como os pontos de cultura e a nova lei do direito autoral, não me pareceu ter havido avanço. Acho que o grande problema do MinC hoje é o baixo orçamento e também a falta de diálogo com a sociedade. O ministério parece ter perdido importância.

Todas as iniciativas aprovadas por Marta no Congresso, porém, vinham sendo desenvolvidas desde o governo Lula. Além disso, o vale-cultura, prometido há anos como o principal mecanismo para o fomento cultural brasileiro, hoje atende a cerca de 255 mil pessoas, um número bem abaixo dos 42 milhões de brasileiros que o programa poderia atingir, segundo o próprio MinC. Também ficou abaixo da expectativa o número de CEUs, um espaço gerenciado em parceria com os municípios para centralizar ações culturais, esportivas, de lazer e de formação. O MinC havia prometido 358 centros até o fim deste ano, mas apenas 39 foram inaugurados. Além disso, é alvo de investigação da Controladoria Geral da União (CGU) um contrato firmado entre o MinC e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para a contratação de bolsistas para a gestão dos CEUs.

Marta precisou lidar, ainda, com uma greve de mais de dois meses, promovida por servidores em luta por melhorias salariais e de condições de trabalho. A paralisação ocorreu nas vésperas da Copa do Mundo e só foi interrompida por uma decisão da Justiça.

— Ela decepcionou. O sentimento dos servidores é que o ministério andou para trás. Houve um retrocesso pela falta de políticas voltadas para a cidadania, por exemplo. E os processos de gestão pioraram, com um Ministério da Cultura aparelhado, levando a situações como o contrato com a Fiocruz — afirma Sergio Pinto, membro do Departamento de Educação e Cultura da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef).

No balanço da gestão de Marta Suplicy, também será lembrada a política de editais promovidas pela ministra. Segundo o governo, de 2012 a 2014 foram 236 editais lançados, com 18.629 pessoas e entidades beneficiadas e um total de R$ 774 milhões aplicados. Os destaques foram os editais de políticas afirmativas, voltados para negros, ciganos, mulheres, povos indígenas, povos de terreiro e jovens. A gestão Marta também comemora projetos de internacionalização da cultura brasileira, como o Ano do Brasil em Portugal e Ano de Portugal no Brasil (2012-2013), a homenagem na Feira do Livro de Frankfurt 2013 e o XIV Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá 2014, quando o Brasil foi convidado de honra.

— É claro que essa gestão teve algum avanço, como na aprovação do vale-cultura. Mas hoje o MinC tem um direcionamento político para atender a produção e não as pessoas. São políticas voltadas para leis de incentivo e editais. É como se você fizesse política de saúde só para os médicos e não para os pacientes; como se fizesse política de educação pensando nos professores e não nos alunos — diz Marta Porto, diretora de conteúdo do Instituto de Desenvolvimento e Gestão e secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do MinC em 2011.