Cultura

CGU aponta irregularidades em acordo de cooperação entre MinC e Fiocruz

Documento de Controladoria destaca falta de edital, ‘pagamento descabido’ para a fundação e conflito de interesses

Ação integrada: O MinC e a Fiocruz (foto) sustentam que parceria é legal e prometem esclarecer o caso junto à CGU
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Ivo Gonzalez/21-02-1995
Ação integrada: O MinC e a Fiocruz (foto) sustentam que parceria é legal e prometem esclarecer o caso junto à CGU Foto: / Ivo Gonzalez/21-02-1995

RIO — Um acordo de R$ 4 milhões entre o Ministério da Cultura (MinC) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para a contratação de 40 bolsistas que atuariam nos programas dos Centros de Artes e Esportes Unificados (CEUs) realizando “ações integradas na cultura e da saúde”, está sendo questionado pela Controladoria-Geral da União (CGU). A auditoria da CGU deu origem a um documento que aponta uma série de irregularidades no contrato — como a falta de relação entre as atividades que constam no acordo e o campo da saúde, o uso da força de trabalho dos bolsistas indevidamente em outras áreas e a ausência de edital e concurso para as contratações — e chama de “descabido” o pagamento de R$ 456.784 para a Fiocruz.

Os indícios de irregularidade no acordo, revelados pelo GLOBO em maio deste ano, já haviam motivado uma denúncia de servidores do MinC ao Ministério Público Federal. A parceria que está sendo auditada pela CGU foi fechada no Acordo de Cooperação Técnica nº 72, assinado pela ministra da Cultura, Marta Suplicy, e pelo presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, em 5 de setembro de 2013. A proposta seria voltada a “apoiar a ampliação à sustentabilidade de ações integradas da Cultura, Saúde e inclusão produtiva que promovam a melhoria da qualidade de vida e o fortalecimento do cidadão brasileiro como sujeito de direitos”, num programa realizado dentro dos CEUs, como são chamados os espaços de promoção de cidadania criados em parceria entre União e municípios.

Porém, o documento da CGU número 201405536/005, datado de 12 de setembro e produzido por Taisa Ruana Ribeiro, coordenadora-geral substituta de auditoria da área da cultura, afirma que o acordo não tem sido cumprido como proposto. Para realizar a auditoria, a CGU convocou os 40 bolsistas para entrevistas, dos quais 18 compareceram, e também solicitou documentos ao Ministério da Cultura. Tanto a pasta quanto a Fiocruz sustentam que o acordo é legal e prometem esclarecer o caso junto à CGU. O prazo para uma resposta, segundo o MinC, é 10 de outubro, próxima sexta-feira.

O texto destaca que os termos do acordo “são genéricos e sem especificações”. Para a CGU, soa estranha a cooperação da Fiocruz num programa cuja natureza “não se trata de ações especializadas ou cuja realização demande conhecimento exclusivo ou específico”. Segundo o órgão, a documentação analisada pela Controladoria “consiste em desvirtuamento das funções dos bolsistas, inclusive deixa transparecer que não há envolvimento ou articulação entre essas atividades e a saúde ou o Sistema Único de Saúde”.

Outro ponto abordado pela CGU diz respeito ao orçamento. Para viabilizar a parceria, a Fiocruz contratou a Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec), entidade sem fins lucrativos que apoia o desenvolvimento de projetos da Fiocruz. No contrato, não há contrapartida financeira por parte das fundações, cabendo ao MinC pagar cerca de R$ 457 mil como “taxa Fiocruz” e R$ 190 mil como “taxa Fiotec”.

Diz a CGU: “nota-se que, além de não atuarem diretamente, tanto a Fiocruz, quanto a Fiotec foram remuneradas para a execução do Termo de Cooperação. No caso da Fiocruz soa como descabido o pagamento de R$ 456.784,00, motivado pela parceria realizada, (...) tendo em vista que esta delegou os encargos do termo para a Fiotec que, por sua vez, cobrou taxa de 5%.”

O documento critica, ainda, a falta de um edital para as contratações, destacando que ao menos uma das bolsistas já ocupara funções anteriores no Ministério da Cultura, inclusive “cargos com poder decisório em relação ao Acordo de Cooperação”. A referida bolsista teria sido, segundo a CGU, diretora substituta da Diretoria de Programas Especiais de Infraestrutura Cultural (DINC), órgão responsável por implantar os CEUs. Mesmo depois de assumir a bolsa, ela foi nomeada como suplente do diretor do DINC no Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação e Interesse Social.

“Entende-se que era de seu conhecimento o potencial conflito de interesses”, conclui a CGU sobre a bolsista.

A CGU salienta, ainda, que, “dos bolsistas avaliados, nenhum possui vínculo com alguma instituição de ensino, para que seja, de fato, considerado o pagamento de bolsa”. A conclusão a que o texto chega é que o acordo seria uma “solução de mercado” para prover as atividades do Ministério da Cultura.

“Essa situação é relevante, não somente por configurar infração ao estatuto de provimento de serviços e provimento de pessoas para exercício de atividades públicas, mas pela possibilidade de a União vir a figurar como solidária em causas trabalhistas”, diz o documento.

Por fim, a Controladoria questiona o valor das bolsas. Segundo a CGU, a média da remuneração dos contratados é de R$ 5.392, variando entre R$ 3.440 e R$ 8.800, o que representaria um “patamar maior que as de diversos servidores de carreira do Ministério da Cultura, para o exercício de atividades intrínsecas das unidades em que foram alocados, o que representa distorção tendente ao enfraquecimento das estruturas hierárquicas e dos controles internos”.

O documento da CGU ainda é preliminar, e o relatório final só será elaborado depois que MinC e Fiocruz se manifestarem quanto às irregularidades apontadas. Em seguida, caso a versão atual seja confirmada, a Controladoria encaminhará as denúncias para órgãos como o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público ou a Polícia Federal, conforme a natureza das irregularidades.

Procurados para comentar o trabalho da CGU, tanto o Ministério da Cultura quanto a Fundação Oswaldo Cruz deram seus esclarecimentos em notas enviadas por e-mail.

O MinC afirmou, como justificativa para o acordo, que a Fiocruz “tem uma expertise reconhecida em ações intersetoriais, de extensão e de mobilização social necessária para o bom funcionamento dos CEUs”. Destacou, ainda, que os resultados são satisfatórios, citando o caso do município paranaense de Toledo, “que não registra crimes violentos há quatro meses no entorno do CEU local”. De acordo com o ministério, “as atividades dos bolsistas são focadas em ações como mapeamento, levantamento de dados, ações de mobilização social para formação de multiplicadores, monitoramento e participação em reuniões de planejamento e gestão”.

Já a Fiocruz cita o conceito de saúde da Organização Mundial da Saúde para explicar sua participação nos programas dos CEUs: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”. A fundação destaca que “a cultura possui um campo simbólico eficaz para a promoção de saúde” e que, desde 2010, a Fiocruz Brasília desenvolve atividades no campo da saúde e da cultura em parceria com o MinC.

O órgão explica que os cerca de R$ 457 mil recebidos pela fundação servem “para garantir estrutura mínima à execução do projeto, incluindo espaço físico, pessoal, equipamentos de informática, internet, material de escritório, dentre outros”, e que a “contratação da Fiotec foi realizada para a operacionalização do Termo de Cooperação, e não uma simples subcontratação”.

A nota afirma, porém, que “o desenvolvimento de outras atividades, que não as previstas nos relatórios entregues pelos bolsistas, não é de conhecimento da Fiocruz ou da Fiotec”.