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Por João Bernardo Caldeira, Para o Valor, do Rio — Valor


Há quatro meses no cargo, Ferreira quer rever a concentração dos equipamentos culturais na cidade de São Paulo, que ficam distantes da periferia — Foto: Adriano Vizoni/Folhapress
Há quatro meses no cargo, Ferreira quer rever a concentração dos equipamentos culturais na cidade de São Paulo, que ficam distantes da periferia — Foto: Adriano Vizoni/Folhapress

Há cerca de cem dias à frente da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Juca Ferreira pretende manter os mesmos paradigmas da gestão como ministro da Cultura (2008-2010). Entre eles está o desejo de alargar o conceito de política pública para o setor, além de rever a lei de incentivo fiscal da cidade e a concentração dos equipamentos culturais, situados distantes da periferia. Também o incomoda a existência de 54 bibliotecas à espera de leitores: "Precisamos de um plano municipal do livro".

Neste primeiro ano de governo, no entanto, o alto custeio com obras e folha de pagamento lhe toma metade do orçamento, o menor em uma década. Enquanto aguarda a recuperação orçamentária para 2014, uma promessa do prefeito Fernando Haddad (PT), Ferreira formula as políticas que planeja implementar.

Na entrevista a seguir, o secretário fala ainda da vocação paulistana para receber o Vale-Cultura, rechaça a busca pela eterna marca social petista e analisa a sua gestão no Ministério da Cultura, de continuidade à administração de Gilberto Gil (2003 - 2008), retratadas no livro "Cultura pela Palavra" (Versal Editores; 600 págs., R$ 65).

Valor: O senhor pretende repetir experiências do ministério na Secretaria Municipal de Cultura?

Juca Ferreira: O poder local possui relação direta com a cidadania e presta serviços à população. O ministério organiza o cenário nacional. Dentro da mesma filosofia, espero atualizar as políticas municipais. Em pouco tempo traremos propostas inovadoras, e já temos uma: uma política para a noite. Numa cidade de mais de 10 milhões de habitantes, há muita gente acordada. Buenos Aires, por exemplo, tem cinema 1h30 da manhã.

Valor: A ministra da Cultura, Marta Suplicy, afirmou que pretende implantar uma marca social. O senhor seguirá essa linha?

Ferreira: Não trabalho com a ideia de marca, porque não é bom para cultura. Se insistir, direi que a marca é a abrangência, a capacidade de trabalhar com a pluralidade.

Valor: Mas o senhor desenvolverá ações sociais, como editais para criadores negros?

Ferreira: Foi em nosso governo que o ministério incorporou, pela primeira vez, a cultura dos povos indígenas. Com os Pontos de Cultura, chegamos aos rincões mais isolados. A dimensão social é uma dimensão. Mas há também a simbólica, assim como a econômica. Escolher apenas uma seria deixar de assumir campos pelos quais também somos responsáveis.

Valor: Após dedicar-se à reforma da Rouanet, promoverá mudanças na lei de renúncia municipal?

Ferreira: É um dos pontos que estamos discutindo neste momento com os agentes locais. É sempre possível aprimorar. Sou sempre favorável à disponibilização direta de recursos. O que não significa subestimar a contribuição privada neste tipo de financiamento. Mas o Estado tem a obrigação de desenvolver ações que não passem pela valoração dos departamentos de marketing das empresas.

"O Estado tem a obrigação de desenvolver ações que não passem pela valoração dos departamentos de marketing das empresas"

Valor: O Procultura procura corrigir a concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo, porém há quem defenda, como o secretário municipal de Cultura do Rio, Sérgio Sá Leitão, que a existência de polos é natural. Não é injusto retirar recursos dos celeiros culturais do país?

Ferreira: Não sei o que o secretário disse, mas, a partir da sua descrição, me parece que se procura legitimar a existência de dois oásis cercados de deserto. O que seria uma visão mesquinha. Defendo que São Paulo e Rio funcionem como plataformas de articulação de sistemas nacionais de cultura. É evidente que existem polos e que Estado com mais gente e produção tem direito a mais recursos. Mas não é necessário sufocar o Brasil para São Paulo e Rio darem certo.

Valor: O seu antecessor em São Paulo, Carlos Augusto Calil, afirmou que deixa os equipamentos culturais em situação melhor. Qual análise que o senhor faz da eficiência e distribuição das unidades da Prefeitura?

Ferreira: É verdade, ele se concentrou na recuperação dos equipamentos, e tenho hoje um alto custeio. Somando folha, manutenção e obras com Teatro Municipal, Centro Cultural São Paulo, Centro Cultural de Cidade Tiradentes etc., gastamos metade dos recursos. Mas vai beneficiar a cidade. Nossa administração precisará se concentrar nas políticas culturais. Não adianta ter 54 bibliotecas que ficam à espera de leitores. Precisamos de um plano municipal do livro. E estender essa estrutura para a periferia, que praticamente não é contemplada.

Valor: O senhor é a favor das polêmicas organizações sociais, as OSs?

Ferreira: Sob o ponto de vista administrativo, existem diversas situações em que é muito melhor trabalhar com organizações sociais. No entanto, aquelas associadas ao PSDB, no Estado de São Paulo, em muitos momentos representaram a privatização de serviços públicos estratégicos como a saúde, ameaçando o direito do cidadão. Desde que dentro de princípios públicos assegurados, sou plenamente favorável.

Valor: Para o Teatro Municipal, por exemplo, o senhor é a favor?

Ferreira: Sim, é uma fundação de direito público, que vai ter que recorrer a parcerias com OSs para cumprir plenamente sua função.

Valor: Qual a opinião do senhor sobre a Virada Cultural?

Ferreira: Estamos dando continuidade a um evento bem-sucedido que herdamos da gestão passada [será nos dias 18 e 19 de maio]. E vamos fortalecê-la. Estamos fechando a programação nesta semana. Eu nomeei uma curadoria coletiva com nove pessoas, pois antes era só uma pessoa. Vamos fazer também uma Viradinha para as crianças, entre outras novidades.

"Defendo que São Paulo e Rio funcionem como plataformas de articulação de sistemas nacionais de cultura"

Valor: Qual é o valor do orçamento que administrará neste ano?

Ferreira: Recebi da gestão passada um orçamento de R$ 401 milhões, o menor da década. O valor da pasta geralmente corresponde a 1,3% do orçamento total da prefeitura, mas caiu, inexplicavelmente, para zero vírgula qualquer coisa. É uma pedra no meu caminho, mas existe o compromisso do prefeito em garantir os recursos que assegurem a cultura no núcleo central de prioridades de governo.

Valor: Esta ampliação virá somente em 2014?

Ferreira: O primeiro ano é sempre o mais complicado. O prefeito enfrenta uma série de dificuldades e procura equilibrar as finanças. Em 2014, teremos outra realidade. A meta é chegar a cerca de 2% do orçamento da prefeitura, ou três vezes o nosso atual.

Valor: Prestes a sair do papel, o Vale-Cultura terá maior efeito em São Paulo...

Ferreira: Sem dúvida, é a cidade com maior vocação, e há um entusiasmo local. Vamos deflagrar o programa junto às entidades de trabalhadores, empresários e o governo do Estado. Apesar de pertencermos a partidos distintos, mantemos um alto nível de diálogo com a Secretaria Estadual de Cultura.

Valor: A ministra Marta Suplicy admitiu que Norte e Nordeste serão pouco afetados, graças à ausência de empresas tributadas pelo lucro real. Não é um contrassenso estabelecer mais uma política concentradora no Sudeste?

Ferreira: O Vale-Cultura não pode ser acusado de concentrador. Pois onde há economia e carteira assinada existe a possibilidade de acesso. O problema é que não há um instrumento único capaz de dar conta da complexidade da inclusão cultural no país. O vale é democratizante na medida em que coloca no bolso do trabalhador R$ 50 por mês, incentivando-o a consumir cultura.

Valor: Com a chegada da Olimpíada e da Copa, como evitar que os investimentos limitem-se ao esporte ou ao Rio, principal vitrine para o estrangeiro?

Ferreira: O Rio vive bom momento, governo e prefeitura criaram uma imagem positiva que contrabalança a ideia de violência. Considero o Rio a cidade mais bonita do mundo. Aqui tem outras qualidades, a maior noite do mundo, a gastronomia diversificada, uma indústria cultural forte. Proponho que em vez de ficarem concorrendo, essas cidades possam alavancar juntas a economia cultural brasileira. Como baiano, tenho facilidade em dizer isso, porque gostamos do Rio e de São Paulo, sem disputas.

Valor: Qual é o diferencial da cultura paulistana?

Ferreira: Aqui existe uma base audiovisual muito forte, o manejo de tecnologias contemporâneas avançadas, um teatro diversificado e de tradição. Há quatro aldeias indígenas, o que mostra o grau de diversidade. É uma cidade de população altamente globalizada, o mundo inteiro está aqui, um ativo que precisa ser fortalecido como fator simbólico da cultura paulistana.

Valor: Como o senhor avalia a gestão de Gilberto Gil e a sua no Ministério da Cultura?

Ferreira: O período do Gil foi mais de plantio, o meu de colheita. Primeiro, definimos o papel do poder público. Havia um mito de que o Estado era perverso por natureza, pois viemos de um histórico com déficit de legitimidade e uma relação autoritária com o setor. E alargamos o conceito de cultura, que não é só arte, muito menos arte consagrada, incluindo todo o campo simbólico. Modernizamos a gestão e desenvolvemos programas como Cultura Viva e experiências positivas no legislativo, como a [proposta de reforma da] lei do direito autoral e o Vale-Cultura. A contribuição é ampla e complexa.

Valor: A gestão de sua sucessora na pasta, Ana de Hollanda, criticou a dívida deixada que chegaria a R$ 450 milhões. Houve excesso?

Ferreira: A área cultural, no Brasil, sempre trabalhou baseada em eventos. Evento, você faz e paga. Ao deflagrar processos mais estruturais, é preciso assumir despesas que ultrapassam uma administração. Quando chegamos ao MinC, o orçamento era de R$ 287 milhões. Deixamos R$ 2,3 bilhões. Então [uma dívida de] R$ 400 milhões é insignificante perto do todo. A existência de compromissos não justifica a incapacidade de fazer. Acabaram se caracterizando mais pela vontade de demolir, do que de construir um projeto de futuro.

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