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Qual o preço justo de um e-book?
Publishnews, Carlo Carrenho, 11/12/2012
Carlo Carrenho faz uma análise dos preços de livros físicos e digitais e justifica porque a queda do preço é um processo.

As lojas de e-books da Kobo, Amazon e Google mal abriram suas portas virtuais e já começaram as reclamações sobre o preço dos livros digitais. “Livros a R$ 9,90 já!”, alguém postou no twitter. Outros acusavam os editores, mantendo-se a tradição de computar aos editores toda a responsabilidade pelo preço do livro considerado alto – infelizmente, o público leigo e até jornalistas costumam esquecer as altas margens das grandes redes que abocanham de 50 a 60% do preço de capa de um livro.

Os livros digitais estão caros demais?

Mas afinal, os livros digitais estão caros ou não? Para início de conversa, pegamos o preço dos 64 livros da lista de mais vendidos do PublishNews que estão no catálogo da Amazon brasileira e comparamos com os preços de capa das edições de papel. Jogando uma média simples, os livros digitais estão 36,2% mais baratos. Mas isto é pouco, muito ou o suficiente? Para analisarmos esta questão, precisamos entender melhor como a receita se distribui entre os vários agentes e custos da cadeia do livro físico e, então, comparar os resultados com a realidade digital.

Os custos de papel, impressão e logística física situam-se entre 20 e 25% do preço de capa de um livro. Vamos então considerar uma média de 22%. Os descontos para distribuidores e varejistas oferecidos pelas editoras situa-se entre 40 e 60%, então vamos trabalhar com 50% em média. E os direitos autorais giram em torno dos tradicionais 10% sobre o preço de capa. Ficamos assim para um livro com preço de capa de R$ 50:


Vale lembrar que são números aproximados e que podem variar de editora para editora. Acredito, no entanto, que estejam perto da realidade. Mas vejam que, neste modelo, a editora ficar com 18% do preço de capa ou R$ 9,00. E isto está longe de ser o lucro, pois desta contribuição a editora ainda precisa retirar os recursos para pagar seus custos fixos de salários, administração etc., além dos próprios custos fixos da produção editorial como tradução, revisão, diagramação etc.

E no mundo digital, como ficamos? Vamos a princípio manter o preço de capa de R$ 50 para o digital, mas agora o custo logístico desaba e o desconto comercial diminui. Obviamente não existe mais custo com impressão e papel, mas há custo logístico de distribuição, de DRM, de armazenagem. Vamos estimá-los em 2,5% do preço de capa. Ainda não se sabe bem qual a amplitude de desconto comercial que Kobo, Google e Amazon fecharam com os editores. A Apple costuma ficar nos 30% inspirada no modelo agência que ajudou a implementar nos EUA. A Kobo deve ter mantido mais ou menos o que era exercido por sua parceira Livraria Cultura. A Google não deve ter sido muito agressiva, já que o e-book em si não é seu principal negócio. A Saraiva sempre procurou manter os mesmos descontos do físico, mas com certeza os editoras conseguiram aumentar sua fatia do bolo. E quanto a Amazon, cercada de mais NDAs (Non-DisclosureAgreements; Acordo de Não-Revelação) que o Neymar de fãs, ainda não é possível ter uma ideia clara de seus contratos. Mas como NDAs no Brasil não duram mais que um romance de verão, logo, logo todos já saberão sua faixa de descontos. Acho, no entanto, razoável imaginarmos os descontos concedidos para livrarias e distribuidores digitais na faixa dos 35 a 45%, e vou trabalhar aqui com uma média de 40%. Já os direitos autorais possuem forma de cálculo diferenciada, são negociados em cima do preço líquido e podem até aumentar. Por hora, vamos considerá-los na faixa dos 25%. Ficamos assim:


Como pode se observar, se o livro digital tiver o mesmo preço que o livro físico, a margem das e a fatia das editoras aumentam quase 150%, e realmente é injustificável que o preço digital seja igual ao físico. Se fossemos manter a mesma margem por livro digital vendido do modelo físico, ou seja, em R$ 9,00, o preço do e-book deveria ser R$ 21,18. Veja abaixo:


Ou seja, neste nosso modelo, o livro poderia custar 57,64% a menos. Mas é claro que nada é tão simples assim. Como pode se ver, os autores teriam uma queda razoável de receita de R$ 5,00 (no livro físico) ou R$ 7,50 (no livro digital com mesmo preço de capa) para R$ 3,18. E em um momento em que a Amazon oferece até 70% de royalties em seu programa de self-publishing, o KDP, e em que outras empresas chegam até a 85%, como a americana SmashWords, acho difícil que os autores aceitem facilmente uma diminuição do valor bruto por livro vendido ainda que a porcentagem de direitos autorais fique fixa nos 25%. Outra questão é que o custo logístico tem um limite de redução em valores absolutos. Por isso, fiz o exercício de readequar a tabela mantendo os R$ 5,00 de direitos autorais e reduzindo a logística digital a apenas 1%. Ficamos assim:


Portanto, se as premissas deste estudo estiverem corretas, os editores poderiam reduzir os preços dos livros digitais em 50%, de R$ 50,00 para R$ 25,00 e, ainda assim, manter a mesma contribuição em valores financeiros absolutos que têm no modelo físico.

Mas e se os descontos digitais não forem assim tão baixos?

Ainda a título de estudo, considerei um modelo em que o desconto comercial permanecesse em 50%:

Ou seja, ainda que o desconto digital seja 50%, que os autores mantenham a mesma receita de 10% do preço de capa físico e que a logística seja fixada em R$ 1,00 por livro, os livros digitais poderiam ser vendidos a preços 40% inferiores ao preço de capa físico.

E por que isto não acontece?

A principal razão é que os editores ainda estão mais preocupados com seus negócios físicos do que digitais. E eles têm toda a razão em agir assim. Afinal, o mercado de livros digitais representa hoje menos que 0,5% do mercado de livros. Ao decidir qualquer coisa, portanto, o editor sempre pensa nas consequências para seus livros físicos e para o estoque no qual tanto capital ele investiu. E qual o maior medo do editor? Que uma queda do preço do livro digital mude a percepção de valor dos livros em geral por parte do consumidor-leitor e leve-o a exigir preços semelhantes ao digital para o livro físico sob a pena de não comprá-los. O pesadelo do editor seria ter de vender seu estoque físico a preços digitais para se livrar dele. Ou seja, as editoras têm receio, justificado, de que ao baixarem consideravelmente os preços dos livros digitais, haja uma canibalização radical, os leitores migrem radicalmente para o digital, e a percepção de valor dos livros seja o novo preço de capa digital. Considerando que todas as editoras possuem estoques razoáveis e grandes capitais investidos em papel e tinta, algo assim poderia até colocar em risco sua própria existência. Voltemos ao modelo, aplicando o preço digital de R$ 25,00 na tabela do livro físico:

Como é possível notar, se a percepção de valor do livro físico alcançar os patamares dos possíveis preços digitais, as editoras passam a ter uma margem de apenas R$ 1,50 em suas vendas físicas. Entende-se, então o medo dos editores.

Conclusão

O livro digital pode custar de 40% a 50% a menos que o livro físico, mantendo-se a margem de contribuição em valores absolutos que vai para as editoras – eles ficam com uma fatia digital do mesmo tamanho que a fatia física. Os editores, no entanto, ainda têm o foco no mundo físico, responsável por 99,5% de seu faturamento, e temem o que grandes variações nos preços dos livros digitais podem causar na percepção do valor dos livros físicos. A queda do preço do livro digital, portanto, será um processo. Quanto maior for a fatia digital do mercado de livros, menos inseguros estarão os editores para baixar seus preços. E quanto mais o tempo passar, mais experiências de preço forem feitas e mais pressão os leitores exercerem, mais os preços tenderam a cair.

A queda do preço do livro digital em relação ao seu primo físico será um processo. E os preços cairão no máximo algo entre 40% e 50%. Mais do que isso, é utopia para a atual estrutura do mercado de livros.

Ainda falta falar do baixo custo marginal do livro digital e de como ele permite experiências rápidas com o preço dos livros, mais isto fica para um próximo post.

[Contribuíram Iona Teixeira Stevens e Matheus Perez]

Carlo Carrenho é o fundador do PublishNews no Brasil e co-fundador do PublishNews na Espanha. Formado em Economia pela FEA-USP, especializou-se em Edição de Livros e Revistas no Radcliffe Publishing Course, em Cambridge (EUA). Atualmente trabalha na área de desenvolvimento internacional de novos negócios para a Word Audio Publishing International na Suécia e é advisor da Meta Brasil e da BR75 no Brasil. Como especialista no mercado de livros, já foi convidado para dar palestras e participar de mesas em países como EUA, Alemanha, China, África do Sul, Inglaterra e Emirados Árabes, entre outros. É co-curador da conferência profissional Feira do Livro de Tessalônica.

Carlo é paulista, morou no Rio, e atualmente vive em Estocolmo, na Suécia. É cristão, mas estudou em escola judaica. É brasileiro, mas ama a Escandinávia. Enfim, sua vida tende à contradição. Talvez por isso ele torça para o Flamengo e adore o seriado Blue Bloods.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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