O que o Piglet pode ensinar sobre livros de receitas – parte 2
PublishNews, 24/02/2012
Mais sobre o Piglet

Na coluna anterior, vimos como um concurso de livros de cozinha ajuda a entender alguns fatores que prejudicam uma obra desse gênero: ingredientes difíceis de ser encontrados, quantidades quase impossíveis de calcular e fotos que não condizem com o texto, entre outros defeitos. Tudo isso na opinião de chefs, escritores e outros profissionais da área, que leram, prepararam algumas receitas e decidiram pela promoção ou pela desclassificação dos títulos avaliados.

Nas resenhas em que justificam seus votos, porém, os jurados não falam apenas dos aspectos negativos de cada volume. Também elogiam e, embora não tratem diretamente das características básicas de um bom livro de cozinha (clareza, bom texto, receitas que dão certo, informações práticas), apontam vários diferenciais de sucesso. Eis alguns comentários que fizeram, tanto sobre obras que passaram quanto sobre as que foram reprovadas por seus crivos:

• Assertividade. “Sei que posso usar caldo em lugar da cidra, mas com qual deles fica mais gostoso?”, pergunta-se James Freeman, dono de um restaurante na Califórnia, a respeito de uma receita de Alice’s cookbook (Lyons Press, 192 pp., US$ 19,95), de Alice Hart. “Eu compro um livro de cozinha para que um expert me mostre o caminho. Estou pagando por regras e conselhos profissionais.”

• Liberdade. Pode parecer contraditório em relação à “assertividade”, acima, mas não é. Sobre Cook this now (Hyperion, 416 pp., US$ 29,99), de Melissa Clark, a chef e persona televisiva Ina Garten diz: “o que eu adoro em Melissa é o fato dela não ser uma tirana. Em cada receita ela indica variações e sugestões que podem transformar o prato numa criação sua”. Mais uma vez, trata-se de dar diretrizes, indicar caminhos e garantir ao leitor que, se faltar algum ingrediente em sua despensa, ele pode tranquilamente se virar com outro.

• Inspiração. “Para mim, esse livro serve para obter sugestões a respeito da combinação de sabores”, escreveu Jacob Weisberg, chairman da Slate, ao gongar The perfect bite, autopublicado pela chef Jennifer Jasinski. Para quem gosta de cozinhar, descobrir novas ideias, ainda que as mais simples, é um alento. “Sal de cominho! Como eu nunca havia pensado nisso?”, alegra-se Hunter Lewis, da revista Bon Appétit, ao elogiar Mourad: new Moroccan (Artisan, 400 pp., US$ 40), do chef Mourad Lahlou.

• Ousadia. Ser politicamente correto em terreno culinário inclui abdicar de tudo o que é bom, mas tem muito açúcar, gordura, glúten, é ilegal, é imoral e engorda. (É pelo uso indiscriminado de creme de leite, manteiga e chocolate em suas receitas que tanta gente detona a musa Nigella Lawson.) Mas mesmo o britânico Nigel Slater, defensor da comida simples e saudável, um sujeito que cultiva frutas, legumes e verduras no quintal de casa, abre espaço em sua cozinha para ingredientes que, hoje em dia, costumam provocar alguns narizes torcidos. “Ele frita couve no bacon e mergulha acelga em creme de leite e parmesão”, fala Jacob Weisberg sobre Tender: a cook and his vegetable patch (Ten Speed Press, 624 pp., US$ 40), escrito por Slater.

• Uma certa dose de literatura. Já falei isso várias vezes e vou falar tantas outras: livro de receitas também precisa ser bem escrito, pegar pelo texto. Em sua resenha para o Piglet, a apresentadora de TV Carla Hall resume meu sentimento em relação a eles: “Hoje em dia, livros de receitas podem ser comparados a romances. Você aposta num escritor e na maneira como a história se desenrola. Você quer entender por que eles fazem as coisas que fazem e saber de onde veio a inspiração para suas receitas. Pelo menos eu quero.”

Eu também.

[23/02/2012 22:00:00]