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“O amor acontece” - Experiência real e novas habilidades num mercado que cresce cada dia mais rápido
PublishNews, 26/10/2011
“O amor acontece” – e as novas habilidades num mercado veloz

“O amor acontece” é uma comédia romântica com Aaron Eckhart e Jennifer Aniston. Burke Ryan (Aaron) perdeu a esposa num grave acidente de carro. Para lidar com a perda escreve um livro para ajudar outras pessoas que também perderam alguém que amavam. Seu agente literário não apenas conseguiu que o livro fosse publicado, mas o transformou num enorme sucesso. Burke virou um produto, circulando o país de ponta a ponta, realizando workshops promovendo uma espécie de terapia de grupo. Todos os que participam do workshop perderam alguém próximo e buscam o seminário para conseguir tocar a vida novamente. Seu agente quer mais: aproveitar a popularidade para vender outros produtos como shakes, aparelhos para exercícios e quer que ele tenha seu próprio programa na TV. O autor do livro tornou-se um símbolo da persistência, um modelo, alguém que pode afetar positivamente a vida das pessoas.

No entanto aquele que ministra os cursos não contou toda a verdade. Ele não percorreu os degraus da aceitação da perda que tenta fazer os outros percorrerem. E só vendo o filme vocês saberão, porque não estou aqui para estragar o seu programa (risos), que pode ser alugado ou visto na TV a cabo.

O filme é uma comédia romântica, cheio de clichês, como caminhar na brasa, fazer do limão uma limonada e frases prontas (mas o bom é que o filme traz em si a própria critica). Mas há dois aspectos que separei para se observar.

“O amor acontece” me trouxe duas idéias para compartilhar com os leitores. A primeira, que ilustro com outros exemplos que vivi na área editorial, de que o autor tem de ser capaz de personificar sua obra, tem de acreditar no que propõe com ela, sob o risco de parecer vazio. Uma obra falsa é sempre sem alma.

A segunda questão é que alguns atributos novos começam a se tornar muito importantes no mercado editorial: a capacidade de comunicar o livro que publica e vende é apenas uma delas, mas torna cada vez mais criativo e multifacetado o profissional dessa área, seja editorial ou comercial.

Ok, quase todos já entendem que um livro é um produto industrial como outro qualquer, que um autor se torna um produto, que a comunicação deve ser precisa e definida. Mas no caso do filme, aqui o conteúdo embalado é uma grande mentira.

Lembro de certa vez um autor ir à editora em que eu trabalhava com um livro algo na linha: você não precisa de dinheiro para ser feliz. No entanto, a negociação era bastante difícil, tensa, sem qualquer sinal de alegria transparente por parte do autor e toda discussão emperrou porque ele queria muito dinheiro. Desisti, apesar de achar que o conteúdo tinha uma proposta coerente. Mas não era coerente ele precisar tanto de dinheiro sendo que falava no livro o contrário. E tampouco parecia alguém feliz.

Anos atrás, trabalhando em outra editora, recebi insistentemente uma proposta de um livro chamado Ipanema Diet. Não passei mais que segundos para observar que era um livro que poderia até fazer algum sucesso com gringos, mas não fazia nenhum sentido no Brasil. Quem acredita que exista uma dieta brasileira para deixar as mulheres com corpo de modelo? Afinal, vivendo aqui, alguém já ouviu falar de alguma dieta brasileira que emagreça? Eu só conheço a dieta do arroz e feijão, e posso imaginar qualquer outra coisa que ela produza, menos um corpo sarado. E temos também as dietas de engorda mineira ou da roça dos interiores. Dieta alimentar brasileira para emagrecer sem esforço só mesmo a de água e luz, que se provou uma mentira.

Ainda sobre esse tema tenho observado uma mudança em programas televisivos, sobretudo os do Globo Repórter que, semana sim, semana não, o tema varia sobre dietas para a saúde, fauna e viagens. No capítulo dieta eles chegaram a levar nutricionistas visivelmente obesas anos atrás. Não tinham o cuidado de perceber que aquelas imagens não transmitiam confiança. Claro, nada é absoluto, mas quando tentamos que algo seja reconhecido por tanta gente é preciso que a imagem esteja completamente adequada com o conteúdo e o público a que se destina. É como se tratar com um dentista que tem os dentes com vários problemas.

Esse é um princípio simples, mas nem sempre observado no lançamento de livros. O autor precisa ser um modelo do que vende. Ele pode ter todos os outros 99 senões contra ele menos o que ele decidiu ensinar aos outros.

O segundo, e para mim mais relevante aspecto a se observar na história deste filme, é a mudança de paradigma. Com toda a competitividade, inclusive a sombra tecnológica da revolução eletrônica do livro, do risco de pirataria etc, o livro começa agora a encontrar novos caminhos. Aconteceu antes com a indústria da música em que os cantores voltaram a viver dos shows e passaram a ter nos cds, mp3 e afins um material quase que para divulgação de seu trabalho, um meio de fechar contratos para shows. Não tenho nenhuma previsão do que vai acontecer com o livro. Sou mais um observador que tenta decifrar as coisas a cada momento sem chegar a uma conclusão.

Mas os livros hoje têm os direitos vendidos para cinema e TV, são transformados em seminários, peças, workshops, seus autores são convidados para feiras do livro e ganham nestes eventos até 20 vezes mais do que com os direitos autorais. Lembro de ter lido isso tempos atrás quando soube que Gabriel, O Pensador, que escreveu alguns livros infantis e lançou sua própria editora, ganhava mais dinheiro com os eventos que com os livros. E por que? Porque atrai público e imprensa para estes eventos. E isso vale dinheiro.

Como sempre publiquei livros na linha de negócios com autores brasileiros descobri, logo cedo, que o livro para eles era uma ferramenta muito importante. Era um cartão de visitas que abria portas para seminários e tornavam, aqueles que sabiam se promover, verdadeiras celebridades ou, pelo menos, consultores muito bem pagos, independente de um grande sucesso nas vendas do livro.

Mas essas mudanças também atingem outras duas classes que durante muito tempo permaneceram intactas e precisam hoje se mover de modo diferente: os departamentos editorial e comercial das editoras.

Editores, assistentes e marketing são os lançadores de idéias, então, em lançamentos relevantes eles têm de defendê-las. Para isso precisam sair dos escritórios e falar sobre o que lançam. Se um editor comprou o livro empolgado, precisa ter a capacidade de empolgar os funcionários da própria empresa, especialmente o departamento comercial. Depois os grandes compradores. Citei os grandes porque já tentei, mas não é possível falar com cada rede de compras de livros espalhadas pelo país. Então os editores precisam saber vender a idéia. Não dá para ser o nerd intelectual que conhece profundamente do assunto, super reservado, que não tem a capacidade de criar a curiosidade dos outros para conhecer o assunto, pelo menos folhear. E isso, tenho de dizer, é uma arte.

Vi na última feira de Londres um agente que falava dos livros que vendia, em esquetes, e criava uma cena de impasse sobre o drama de cada história que me deixou fascinado. Não eram livros para minha área, mas invejei aquela capacidade de contar a história de modo curioso. O que me lembrou de um de meus livros preferidos, A marca humana, de Phillip Roth. O professor Nathan Zuckerman, doutor em Letras Clássicas, ao iniciar a primeira aula abria assim:

"Vocês sabem como a literatura europeia começa? Com uma briga. Todas as fontes de literatura europeia têm início a partir de uma luta.” O professor lê em voz alta os versos de abertura de A Ilíada: “Divina Musa, canta a ira de Aquiles...” Começa a ler onde nasce a disputa entre Agamenon e Aquiles. “E qual o motivo de uma enorme batalha, com tanta violência? É tão básico como uma briga de bar. Eles estão disputando uma mulher. Uma jovem, na verdade. Uma menina roubada de seu pai."

Ao ler este trecho invejei a capacidade daquele professor ficcional criado por Roth. Ele poderia ter feito como alguns catedráticos medrosos fazem: colocar os clássicos numa torre e transformá-los em monstros inacessíveis. Mas não, partiu de um ponto de vista simples, algo que faz parte do cotidiano de qualquer pessoa, para transmitir a mensagem e gerar interesse pela obra. Conheci poucos professores de literatura que sabiam transmitir o que gostavam. E isso vale também para todos os profissionais que trabalham em uma editora.

Hoje editores precisam ser também comunicadores, entender de marketing editorial, saber um pouco de criação publicitária, administração, matemática e não ter inibição. Claro que entender de livros, sobretudo da linha que se edita, é o primeiro requisito, mas a diferença se faz nestas outras qualificações, e em todas elas podemos melhorar a performance investindo em leituras e cursos.

Mas e o comercial? Vale o mesmo princípio da necessidade de melhorar a comunicação objetiva sobre o livro. Vi, em quase duas décadas, o trabalho do comercial mudar muito. Enquanto antes muitos levavam os lançamentos para as livrarias sem saber do que se tratavam, hoje eles estudam cada lançamento, algumas editoras alocam seus vendedores por área de afinidade, para atender a segmentos que eles entendem, e eles conseguem se diferenciar entre os que tiram pedidos dos que levam informação de qualidade aos compradores de livros.

Há muito o que se aprender em qualquer fase da vida. Considero perigosos sempre dois tipos de arrogância: a dos jovens, por conta da inexperiência, quando os impede de reconhecer suas falhas e, portanto, aprender; a dos mais maduros; por conta da experiência (que os faz perder o bonde com o passar do tempo). Eu vivo paranóico para não cair no segundo exemplo.

O importante é manter a mente aberta. E quem assume o compromisso de encontrar saídas a todo momento constrói uma imagem profissional sólida e os resultados aparecem.

Bom, mandem comentários e críticas em meu blog (www.faroeditorial.wordpress.com). Indicações de filmes são bem-vindas. Até a próxima edição!

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

[25/10/2011 22:00:00]
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