Tarrafadas – Cozinha e literatura
PublishNews, Maria Fernanda Rodrigues, 27/09/2010
Na mesa mais divertida da Tarrafa Literária, Nina Horta e Mark Crick conversaram sobre autores que fazem bom uso de comida em seus livros

“Receitas são histórias. Ingredientes, personagens. Coisas más acontecem com eles, mas há sempre um final feliz”, brincou o inglês Mark Crick na noite de sábado (25) na mesa mais divertida da Tarrafa Literária, em Santos. No auge dos preparativos para seu casamento, que acontece no próximo fim de semana em Londres, ele conseguiu uma brecha e veio com a noiva para o Brasil para participar de uma conversa com a cronista e cozinheira Nina Horta.

O ex-fotógrafo Mark Crick é autor de A sopa de Kafka (Paz e Terra), em que dedica receitas a 14 escritores e as descreve no estilo de cada um desses autores. “Sempre tive muitos livros de culinária, mas leio os ingredientes e fecho. Pensei que se um escritor escrevesse um livro de culinária eu leria”.

Crick escolheu as receitas de acordo com a personalidade desses escritores. “Tive que escolher receitas onde coubessem os tiques, o estilo deles e que tivessem a ver com seus livros ou os temas por eles abordados”. Nina Horta disse que Virginia Wolf o mataria caso o prato dedicado a ela fosse muito gostoso ou elaborado, já que ela era anoréxica.

Para Mark Crick, os chefs não devem pensar em seu A sopa de Kafka como um livro de culinária, embora elas funcionem bem. E dá mesmo vontade de fazer! A de bolo de chocolate, por exemplo, deve ser especial. Ele contou que demorou 10 anos para fazer com que o amigo revelasse a receita.

Nina Horta comentou que Elizabeth David é a melhor “escritora de comida”. “Foi ela quem revolucionou a alimentação na Europa ao levar ideias do Mediterrâneo, como o limão. “Se não fosse por ela, os ingleses ainda estariam felizes comendo ovo desidratado e comida de racionamento como na época da guerra”. Mark concordou.

Mark, aliás, começou a se interessar por comida quando era menino. Cansado de batata com vegetais, chocou a família ao sugerir que ela experimentasse arroz. Foi um auê. Uma semana depois a mãe concordou, e ninguém gostou do que comeu. Nos dois anos seguintes, a batata voltou ao cardápio. Mas o que o levou mesmo à cozinha foi a vontade de ajudar a mãe que trabalhava muito fora e em casa. Hoje faz isso por hobby.

Nina Horta lembrou que há 20 anos era “cricri” falar sobre comida e foram os homens que começaram a fazer um risoto aqui (e não arroz, como as mulheres), um bife diferente ali, e a dar outra cara ao assunto. “Além disso, fomos perdendo a empregada e tivemos que glamurizar a cozinha”. Hoje, cozinhar é algo chique, disse. “E virou muito sexy”.

A comida presente nos livros também esteve entre os assuntos dos dois palestrantes. Nina destacou Pedro Nava como um autor que sabia muito bem como descrever pratos. “Você começa a ler e tem vontade de cozinhar”. Proust, Flaubert, Jorge Amado e outros autores também foram lembrados. “Em todos os livros que leio fico procurando o que as pessoas estão comendo”, disse a cozinheira que acredita mais nos romances do que nos livros de culinária para aprender a cozinhar. Ainda sobre a relação entre comida e literatura, Mark disse que as duas se dão bem. “Por muitas vezes já levei um livro para jantar”.

Nina Horta começou o debate meio tímida e justificou dizendo que nunca havia participado de algo do gênero. “Esta é a primeira vez que falo em público. Fico doente. Estou feliz por ter sobrevivido e agora, se eu tiver tempo, vou querer falar toda semana”, brincou. Mais tarde confessou que tinha ficado acordada até às 5 da manhã do dia anterior lendo um livro que talvez a ajudasse a explicar o que a levara a escrever. Não descobriu!

A cobertura da Tarrafa Literária pelo PublishNews tem o apoio da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
[27/09/2010 00:00:00]