São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2008 |
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LIVROS Escritor encerra vida com comédia
"La Ninfa Inconstante", obra póstuma do cubano Cabrera Infante, sai por selo espanhol e chega ao Brasil em 2009
SYLVIA COLOMBO DA REPORTAGEM LOCAL A morte de um homem que passou quarenta anos no exílio, sem nunca poder cumprir o sonho de voltar a ver a terra natal é sem dúvida uma história muito triste para ser contada. Mas não foi assim com o célebre autor cubano Guillermo Cabrera Infante, que, banido da ilha pelo regime de Fidel Castro, viveu em Londres até ir-se deste mundo, em 2005. Afinal, mesmo tendo passado os últimos anos de cama e num doloroso entra-e-sai de hospitais, Cabrera Infante escreveu um livro extremamente bem-humorado, conferindo às derradeiras linhas de sua biografia a idéia de que partiu daqui feliz. Assim é "La Ninfa Inconstante" -obra póstuma do autor do clássico da literatura latino-americana "Três Tristes Tigres" (1964)- que acaba de sair na Espanha e deve chegar ao Brasil no começo de 2009. A obra foi deixada terminada, mas completamente fora de ordem. Quem montou as centenas de papeizinhos manuscritos foi sua viúva, a também exilada atriz Miriam Gómez. "Guillermo foi escrevendo num bloco de notas. Quando acabava cada capítulo ou passagem, arrancava a página e jogava numa caixa de madeira que eu coloquei ao lado da cama", conta ela em entrevista à Folha, por telefone, de Londres, onde segue vivendo, agora só. O romance se passa em 1957, dois anos antes da Revolução Cubana, que implantou o socialismo na ilha. A ambientação, portanto, é extremamente nostálgica. Os personagens passeiam pelo "malecón", pelas praias, bares e hotéis de Havana. Evocam os tempos em que Cabrera Infante viveu na capital cubana. Ao mesmo tempo, trata-se do livro mais cheio de referências da língua inglesa da carreira do autor, como as obras do irlandês Jonathan Swift. Na introdução, deixou um alerta para quem fizesse o copidesque: "Se encontrar anglicismos, não os toque: essa é minha prosa. Apesar de tudo, essa história foi escrita na Inglaterra". Bolero A trama tem como centro a aventura sentimental entre um homem mais velho e uma moça de 16 anos que lhe pede que assassine sua própria mãe. "Há gente que tomou-a como uma "Lolita" cubana. Mas não é isso, tampouco o tema é a pedofilia. Em Cuba, com essa idade, uma menina já é uma mulher por inteiro", diz Gómez. A viúva conta que Cabrera Infante lhe deixou orientações claras para a edição do livro. Teria pedido que a obra tivesse "um ritmo de bolero" e que ela prestasse atenção para que o texto mantivesse a cadência de poesia dentro da prosa. "Ele me pediu para observar isso. E caso eu mesma não conseguisse editá-lo, que eu o rasgasse. Não queria que um editor fizesse esse trabalho." Gómez diz que não acrescentou uma só palavra ao livro. E que encontrou dificuldades em vários pontos por não entender direito a caligrafia, especialmente no final, quando a enfermidade já não permitia que ele escrevesse de forma clara. Para dar a medida do esforço que teve de fazer, colou nas primeiras duas páginas um exemplo de como estava a letra do autor a essa altura. Elas formam um capítulo solto, chamado "Habanidades". Na opinião da viúva, "La Ninfa" traz um Cabrera Infante mais puro para seus leitores, pois ele não teve como retocar a obra. Ela surge publicada do modo que escreveu, sem que tenha tido tempo para relê-la. "Às vezes penso que ele deixou essa trabalheira para eu fazer depois que ele morresse só para aliviar minha depressão com a sua partida. Se era isso que queria, deu certo." Mais inéditos Além desse texto, Cabrera Infante deixou outra novela inédita, "Cuerpos Divinos", já escrita há tempos, na qual Gómez começará a trabalhar na seqüência. O mesmo selo espanhol que lança ambas também comprou os direitos das obras completas do cubano, que pretende relançar a partir do ano que vem. "Cuerpos" é um romance político, que evoca sua trajetória. Cabrera Infante apoiou a Revolução no seu início, mas logo desentendeu-se com o regime e passou a ser um dos principais críticos de Fidel no exílio. Sonhava voltar para morrer na ilha. Não teve tempo. Mas, atravessando as páginas de "La Ninfa", percebe-se que preferiu rir do que poderia ficar para sua história como um fim trágico. LA NINFA INCONSTANTE Autor: Guillermo Cabrera Infante Editora: Galaxia Gutenberg (importado Quanto: 21 (283 págs.) Onde encomendar: livros em espanhol podem ser comprados pelos sites www.cervantes.com e www.crisol.es
TRECHO
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