O movimento pode representar uma aproximação ainda maior da editora com as livrarias, já que a ideia é entregar edições brochuras com preços mais acessíveis do que as edições de ficção especiais e luxuosas pelas quais a casa ficou conhecida. “O público novo que buscamos atingir provavelmente não está interessado na editora em si, como é o caso com as obras de ficção, mas é um público interessado nos temas, nos autores, então acredito que vai ser diferente. Talvez a gente consiga trabalhar ainda melhor em livraria do que no site”, comenta o diretor-executivo da Carambaia, Fabiano Curi, em entrevista ao PublishNews.
A nova linha é parte de uma série de novidades que a editora prepara para celebrar os seus dez anos e, numa coincidência, os 100 livros lançados. Os outros dois livros já planejados para a nova coleção são Esquizofrenias reunidas – Ensaios, de Esmé Weijung Wang, e Diário de uma invasão, de Andrei Kurkov.
10 anos de transformações
A editora foi criada em São Paulo num contexto em que o mercado editorial brasileiro tinha características diversas das atuais. A Amazon ainda dava seus primeiros passos no país, as grandes redes de livrarias ainda não tinham mergulhado na crise de 2018, e a pandemia não havia acelerado a transformação no jeito de comprar livros. Mesmo antes dessas movimentações, porém, a Carambaia iniciou o seu modelo de negócio com e-commerce próprio e uma resistência ao modelo tradicional de negócios com as lojas de livros.
Como funciona normalmente: as editoras vendem para as livrarias seus livros com um desconto considerável – tradicionalmente, 50% do valor de capa. Ou seja, se um livro vai custar R$ 60 ao consumidor final na livraria, a editora vende para a loja por R$ 30. O diretor executivo explica que o modelo de negócio não seria possível para a editora até pela característica dos livros do início, as edições especiais da chamada Edição Numerada.
“A gente começou como uma editora de e-commerce, só vendia pela internet, porque a gente não conseguia oferecer as mesmas condições de desconto que as outras editoras oferecem. Com o passar do tempo, oferecemos condições diversas e algumas livrarias foram topando, e acho que depois elas entenderam que a gente trabalha de uma forma um pouco diferente”, explica. Hoje em dia, são mais de 50 livrarias parceiras.
Os descontos praticados pela editora variam entre as coleções. Na coleção Acervo (a mais econômica), o desconto é de 50%. Na Ilimitada, com títulos que podem ser reimpressos, 40% para consignação e 50% para compra. Na Numerada – obras de autores em domínio público, em edições com projeto gráfico próprio e tiragem limitada a mil exemplares: 30% para consignação e 40% para compra.
Com as transformações do mercado, aceleradas no contexto da pandemia, a lógica foi se ajustando e deságua agora na nova coleção de não ficção. Se antes de 2020 a proporção de vendas era 65% no site e 35% em livrarias, os números se inverteram, na estimativa do diretor.
A editora Graziella Beting, diretora editorial da Carambaia, explica que a estratégia fez a editora escapar das crises de Cultura e Saraiva e também permitiu conhecer a fundo os leitores que compravam os livros. Ajustes como condições especiais no frete surgiram a partir da percepção de que muitos deles viviam em lugares sem acesso facilitado a livrarias, por exemplo.
A ideia com a nova coleção de não ficção é trazer temas do debate contemporâneo em livros com afinidade ao catálogo da editora, especializada em ficção de prosa. O plano é também diminuir o ritmo de lançamentos – ano passado foram 25 livros – e conseguir trabalhar melhor com cada título. Livros digitais e modelos especiais de impressão – como tiragens menores com custo mais acessíveis do que no passado, por exemplo – também fazem parte do dia a dia da editora.
“Eu estava conversando numa feira e um colega editor falou: ‘vocês fizeram o caminho inverso que muitas editoras fazem, que é ir testando vários públicos ver o que funcionou e depois nichar. A gente primeiro nichou, e agora está tentando ver o que acontece”, explica Graziella.
Os novos livros
- Esquizofrenias reunidas – Ensaios, Esmé Weijung Wang
Lançado em 2019 e traduzido em diversos países, ganha agora a versão brasileira com tradução de Camila Von Holdefer. Ao contrário das obras do tipo escritas por especialistas ou cuidadores que descrevem a doença de um ponto de vista externo, aqui é o próprio paciente quem conta, em primeira pessoa e "especial qualidade literária", o que é viver questionando os limites de sua sanidade mental.
Previsão de lançamento: maio/2024.
- Diário de uma invasão, Andrei Kurkov
Foi também o momento em que o escritor Andrei Kurkov decidiu abandonar a obra de ficção que escrevia então para iniciar um relato, sob a forma de um diário, do dia a dia da invasão de seu país, começando semanas antes do fatídico 24 de fevereiro. “Eu me sentia culpado ao escrever ficção em tempos de guerra”, declarou recentemente a um jornal inglês.
Segundo a editora, Diário de uma invasão é uma mistura de sua história pessoal com a da própria Ucrânia durante os primeiros meses da invasão, na qual explora a complexa relação do país com a Rússia e descreve como um povo tradicionalmente pacífico desafiou o invasor com uma resistência que surpreendeu boa parte do mundo.
Previsão de lançamento: agosto/2024.
- Doppelgänger, Naomi Klein
Intelectual de esquerda e anticapitalista, como se apresenta, Naomi Klein é ativista na defesa das causas sociais e climáticas. No livro, ela usa, como ponto de partida de sua vasta análise, a confusão existente entre seu nome e o de seu “duplo” – ou doppelgänger –, Naomi Wolf. Jornalista e autora de uma obra relevante para o feminismo nos anos 1990, essa “outra Naomi” tornou-se, nos últimos anos, uma das vozes da extrema-direita dos Estados Unidos.
Previsão de lançamento: setembro/2024.